Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

domingo, agosto 08, 2010

Meditação

As noites são escuras para todos.
Não há quem supere seus medos em noites como essas.
O pranto, tanto faz o seu motivo, é substancial.
Reflete o passado, que de distante, nunca existiu.

Curva-te para essa mulher, que assim como tu, busca ser alguém.
Um alguém que não seja ela, assim, tão oca e íngreme.
Íngreme como a escalada daquela montanha na manhã de domingo,
trabalhosa por suas imperfeições.
Buscas ser, decerto, alguém e esse alguém precisa ser distante de si.

Uma barra de ferro pendida no ar é mais valente frente a sua própria dor – pressupões.
Mas o poço está coberto. As janelas estão fechadas.
Há quem diga que o telefone também está cortado.
Ele, do amor ao ódio e, por fim, a aceitação,
também te busca no silêncio das noites
enquanto estás parada em frente a parede rosa, que agora, bate junto ao peito.

O zelo dessa dor é tão confuso quanto ameno.
A solidão que permeia por essa noite também é minha.
Sou solícita, complacente a dor que te aflige e
que tampouco é minha.

Substancial e desigual ela atinge as manhãs.
Rompe com o silêncio de pântano,
rompe com a liberdade em escala. 
Agora, livre, podes ecoar esse teu canto melódico e sombrio,
que pousa em mim como um alento - como um filho a quem dou meu seio farto.

Uma cumplicidade sigilosa, secreta de duas almas que estão de mãos dadas,
e onde quer que estejam cantam intensamente
a dor que as acompanha e as une.
Tornando a imagem refletida no espelho: uma só.
Brumosa, vaga, alheia, sem forma. Mas uma só.

O lago que és reflete a imagem do que fostes:
plácida a traições, fria e subversiva quando tratado de ti mesma.
Ingênua, doce e triste.

Uma menina que perdera o sorriso fácil ainda quando moça.
Hoje, uma mulher tão ou mais forte
quanto aquela barra de ferro pendida no ar.
Ainda flutuas sob os oceanos puros
que a liberdade apressada te recompensou.
Flutuas leve e amistosa, tranquila e vagarosa nos rochedos do meu eu.

domingo, agosto 01, 2010

O último gole do filósofo

Não, não era o homem que queria ser. A intimidade sibilina com Aristóteles e sua Grécia Antiga teria feito em profusão esta carne opaca e sem pouco viço, de difícil diálogo amistoso e introspecção exagerada. Encontrava a cura para sua demasiada sapiência e dor em dois goles de cachaça. Dois atrás de mais dois e assim, durante uma noite inteira até o sol despertar, dois goles de pinga era o que ele dizia que havia bebido. O trem partiu sem que ele se despedisse, nem um aceno tímido de longe ele deu. Dois dedinhos, meu caro - ele pedia ao garçom magro e acinzentado que fitava o relógio de minuto em minuto aflito para estar em casa e tirar aquele cheiro de desgraça de seu corpo. Mais dois dedinhos aqui, meu fi... - soluço. Ezequiel era o nome do garçom, mas os frequentadores daquele bar fétido não faziam questão de saber. Queriam ser servidos. E o serviço tinha de ser rápido, igualmente aos seus lúcidos conhecimentos sobre ética e metafísica.

Aflitos em sua desgraça e descrença. Aflitos por não terem para aonde ir. Aflitos por não sentirem outra coisa a não ser essa: aflição sincrônica ao desconhecimento imbecil de suas próprias limitações. Uma mistura de pena de si mesmo com um bocado de pressa. Pressa de quê, exatamente, nunca ninguém soube. Nem eles mesmos, donos de suas próprias aflições agudas manuscritas em exaustivos ensaios acadêmicos. A legião acadêmica, composta por renomados e ilustres donos de uma oratória invejável, pontualmente batiam seu cartão naquele bar.

O trem partiu e, da estação, as despedidas eram mais frequentes do que os reencontros. Despedidas zangadas. Despedidas adormecidas no colo das mães. Despedidas agoniadas. Despedidas corrosivas. Despedaçadas, desprendidas. Aqueles dois dedinhos de pinga mais um dedinho de prosa com o acompanhante misterioso, que a própria física insiste em decodificar seu espectro e sua constituição de cargas elétricas magnetizadas, fizeram com que o último suspiro de adeus não fosse ouvido. Ouviu-se um choramingar baixinho e inconformado. Ouviu-se o som da mala fechando. Ouviu-se um gole de cachaça descendo e queimando a goela seca do moribundo de alma. Não se ouviu um adeus. Ouviu-se um último soluço etílico e um brinde à... Não se ouviu decerto. O copo deslizou de sua mão e o moribundo, cujo raciocínio era tão brilhante quanto de uma vaca, espatifou-se no balcão.

E o trem novamente deixou aquela estação. Um último adeus a Platão.