Quem sou eu

Minha foto
- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

segunda-feira, dezembro 30, 2013

nem cuiabá

o calor de derreter
em tons de Dalí, literalmente

derrete primeiro a roupa, o relógio
depois se esvai o corpo de fora
logo em seguida, o corpo de dentro

fígado, rins, pâncreas,
plumão e, por aí, vou derretendo
mas há algo que emergiu do meu eu líquido
único órgão intacto

o coração irrigando vida
para ele mesmo, egoísta

comigo todo derretido pela sala,
ensaio uma teoria
fundamentada no tátil, no visível escopo
pesquisa de campo

retomo o monólogo antigo,
aponto para o meu objeto
impenetrável, duro

riso frouxo e peito estufado;
trago-lhes minha conclusão, irrefutável
(mais que dois pontos, exclamação)
o coração sobrevivente não é de gelo,
como os caríssimos supunham desde o início

o coração exposto aqui em análise
é feito de um resquício mínimo de minerais,
mas o elemento predominante
é matéria forte, impenetrável
granito, meus caros! não calcário - esses, são molengas -

o coração de que vos falo
este aqui, senhores,
é feito da mais bruta pedra

sexta-feira, novembro 15, 2013

de aqui

amores são para sempre
como as estações climáticas
ainda que o cético teorize aquecimento global
o inverno glacial existirá
não com a mesma intensidade de 1715
mas existirá
mundo paralelo aqui frio quente
lá o quente calor 
amor de outrora lá
mundo paralelo
amor de agora aqui

quinta-feira, novembro 14, 2013

regras ortográficas (ou paz qual é)



para-choque                                                                    para-raio 
para-quedas                                                                    para-lama
para amar                                                                       ninguém escravize

reverberar

poemas são verdades que não dizemos dizendo
lágrimas que temos vergonha de desfrutar
sentimentos que temos orgulho em não demonstrar mostrando

poemas nos libertam de nossas algemas sociais
de nossas aparente perfeições mundanas

há na poesia a liberdade de ser quem se é
como tirar a roupa e mergulhar no rio pelado
como comer com as mãos e lamber dedo por dedo

poesias são o profetizar e o bendizer
dos céus quando estamos em paz com nossa irregularidade transitória
é também o estender as mãos à lúcifer
quando o outro lado da vida nos assola com a morte
no campo material ou mental

poetizar é ser, em essência, humano
rir gozar e chorar a cada quebra de ritmo
a cada verso dito a sua maneira

poetizar é ser livre,
é ser fundamentalmente cru

quarta-feira, novembro 13, 2013

sobre a saudade de helena

vejo a foto no retrato
o sorriso estampado
dói no meu peito
os olhos empoçados
agora são meus

terça-feira, novembro 12, 2013

fumaça melódica de 83

cogumelo da noite
vitamina diária
placebo de dons nobres
para dores também nobres
nei é uma lisboa inteira
lisboa teria nei se possível
mas viajando no cosmos
o pau brasil é ele

você sutil

esse seu você
me caiu como uma luva
para a mão que sou


na hora auge da tua falta

te matei em pensamento
à noite
hora auge da tua falta
te sufoquei com travesseiro
empurrei teu corpo para fora da cama
te chutei para debaixo dela
satisfeita fiquei por cima
impenetrável
adormeci
noite seguinte
hora auge da tua falta
tua sombra no pensamento meu
me via, éramos tu
espelho embaçado pelo vapor do banho quente
eras tu em meus olhos apertados
na hora auge da tua falta
surtei nem me vesti
molhada me deitei ao teu lado
embaixo da cama
lado a lado
na hora auge da tua falta
tua falta
tua falta
te ressuscitei
esfregando a memória
beijando o travesseiro de ti
sentindo o teu cheiro sufocado em cada pena de ganso
deitamos sobre a cama
te coloquei em cima de mim
me sufoquei de ti
na hora auge da tua falta

segunda-feira, novembro 11, 2013

poesia da pressa

foi
passatempo
passa o tempo
ainda te espero
vem

sopro de saudade

sozinha em casa, nenhum aparelho de som ou televisão ligados; saindo do banho, ecoou no vazio das minhas lembranças um assovio familiar. música assoviada de quem teve o dia longo e cansativo, de quem ouve uns bons bocados de palavras rudes em sua direção e responde com amor, responde com assovios ritmados.de quem é maior do que qualquer rancor. de quem aprendeu a lidar com a vida, a cuidar da renca de irmãos e ainda, sim, ter tempo para nós; assovios de elis, de titãs, de santiago e um em particular: ivan lins

ele ecoando assovios únicos da sala, a irmã mais velha, da cozinha, cantarolando boemiamente cada virgula. várias vezes o disco no repeat, até que eu, lá do quarto, na parte superior da casa pudesse cantar maquinalmente a mesma melodia:


"eu limpei minha vida

te tirei do meu corpo
te tirei das estranhas
fiz um tipo de aborto
e por fim nosso caso acabou
está morto

jogue a cópia da chave

por debaixo da porta
que é para não ter motivo
de pensar numa volta
fique junto dos seus
boa sorte, adeus"

ele se foi. foram-se voz, pulmão, córnea, tímpano, rim, baço, coração. 

permaneceu o eco dos seus assovios em mim que, timidamente, fecho os olhos como que em prece para poder ouvi-lo soprar amor em melodias que me acompanharão sempre sempre sempre.

acontecemos


eram lágrimas
difusas com o suor daquele mormaço
o sol a pino
as folhas estanques em seu destino murcho
a esquina labaredante penetrou no vento das coisas efêmeras do meu coração

secaram-se as lágrimas
secou-se o suor
sorriram em minhas bochechas roseadas 
a primavera de minha vida que há tanto neguei em regar

acontecemos

sábado, outubro 26, 2013

sua vez (ou popularmente conhecido "poeminha da carapuça")

sábio é aquele
que reconhecendo sua ignorância
é capaz
de guardar para si
sua medíocre opinião

próximo!

quarta-feira, outubro 16, 2013

poeminha da boca suja

é antagônico

acreditar que desapegar-se das roupas no armário
descalçar os sapatos
é crer que o anjo das coisas findas
irá tirar a sorte de se estar viva

é imaturo

fácil difícil imaginar
que a vida muda quando
a planta da sala passa a enfeitar a varanda

é infantil

difícil fácil compreender
que é mudando dentro de si mesma

que o que está fora muda realmente.

domingo, setembro 22, 2013

para os dias que não andam fazendo

quando a monotonia dos dias
andar tão presente na vida
preciso seja
o tremer desesperado das cordas vocais
gritos
urros
- murros também -
por aos berros
o que desconforta
o que subjuga
e paralisa
que é para ver
se algo dentro da nossa mesmice
num solavanco
acorda
- por favor!

quarta-feira, setembro 11, 2013

o sopro suave de um tufão

não me curo mais de ângela
penetrou pele
vestiu-se de sangue
escorreu por mim
atingiu cada membrana
cada espaço mínimo do que fui
foi mais fundo
não querendo parar
atingiu meu perispírito
perscrutou meu espírito
inundou o que sou
não quero mais emergir
não quero sacudir ângela de mim
nem tirá-la das minhas entranhas com uma lavagem medicinal
quero ângela dentro, fundo em mim
só assim sei que o que me corre é loucura
mas a loucura mais saudável que já vivi
não me tirem ângela
ela já é minha
já somos nós
sou eu
nela 
ela 
em mim
e isso me basta
é tudo
mundo
fundo
no que sou
sou
sou ângela
por dentro
correndo nas veias
manchando a tela de vermelho sangue
não me tirem ângela
ela já é minha
já somos nós
sou eu
nela
ela
em mi maior
e nos bastamos.

sexta-feira, agosto 23, 2013

Mesmo depois, ainda há

Se nasce triste,
se vive triste,
se morre triste. 
A tristeza está intrínseca
na humanidade;
é a única certeza 
da vida
antes da morte.

terça-feira, agosto 20, 2013

o mergulho é apenas consequência

o ser humano pode ser tão bonito quanto frustrante. é terrível perceber que as entregas são frutos de recompensa. tu me dás algo, eu me satisfaço e jogo um beijo no ar, fingindo contemplar nuvens que comi enquanto nem mesmo as digiro e já parto em busca daquele que tem o que eu quero e está vulnerável para me satisfazer. assim são as criaturas, mas, para o alívio da falta total de consideração, existe o abismo próprio que há em cada um. o mergulho é apenas consequência.

quinta-feira, agosto 15, 2013

gotejar; sobre não estar

aquela vontade
absurda
que vem
de repente
com a chuva fria e dura
os pingos de cortar o braço,
a chuva fria
num dia bonito de sol
de nuvens
branquinhas
dançando pálidas no céu

vem aquela vontade
ai!
duas vezes absurda
absurda
ter amarrado nos pés
uma pedra
um caminhão
se jogar fundo
no meio do mar
oceano e tudo vai
tudo ir
ver submergir
quinhão
tudo o que não vai bem
tudo que remédio algum
cura
que presença toda estraga
esfola
desgasta a alma

hoje acordei assim
um ai aqui
querendo não lutar
um ai a mais
querendo não lutar
contra corrente que me puxa
me leva para trás do alcançável
para trás de além

além mar
ah!
como queria estar.

quinta-feira, agosto 08, 2013

prana

Tenho fumado incensos diversos
Ingerido folhas e mais folhas
Dos velhos livros sacros
Energizado os chakras
Abraçado meu karma

Estou em dívida comigo
Preciso de uma overdose
De bons fluídos Orientais
Cósmicos e Espirituais

Estou em dívida comigo
Há não sei quantas reencarnações
Nesta, me mantenho diluída
Na promessa consciente
De devolver a paz que me roubei.

segunda-feira, agosto 05, 2013

vestida de ilusão

Tinha os olhos tristes
Maldizendo os céus
Sua própria solidão

Fui me chegando mansinho
– sei que nossas escolhas nunca se encontraram –
Fui me chegando mansinho
Dando carinho
Que julgávamos não merecer

Tinha os olhos tristes
A terra toda em festa
Com suas danças e saias em movimento

Vestida de negro
A sombra das manhãs
Pedi para que fosses minhas
Até de manhã cedinho

Como prece
Deitei meu peso em teu ombro
De repente, peso algum mais havia
As vozes celestes ecoavam no nosso quarto
A tua saia balançava ao luar
Como deusa do meu céu
Com o amor que eu poderia te dar
Aceitastes
Naquele luar de olhos tristes
Fomos os olhos mais felizes dessa festa

Minhas preces foram ouvidas,
Posso assim dizer,
Tu sorristes para mim
Como quem sorri para a voz de Caymmi
Sorristes enluarada, mansa nessa madrugada
Vestida de noite
Na terra dos infelizes
Fostes a mais feliz voz de cetim

Tinha eu os olhos tristes agora
O lamento dos que sofrem por amor
Dos que morrem por amor
Era o meu lamento em dó maior
Nem Caymmi me poria o sorriso de volta
Nem a valsa das tuas torneadas coxas
Me fizeram cantar para o teu enluarar

Tinha eu os olhos tristes cá
Chico me disse:
Foram tudo meras ilusões
Dos sonhos que dobram a esquina
Sem olhar para trás

Fico eu triste com os olhos de cá



sexta-feira, agosto 02, 2013

psicografia do perdão

Disseram-me que não era para eu me preocupar. Que embora o cansaço da longa estrada, eu não deveria desanimar com minha nova condição. Fiz das tripas coração e agora estou aqui, do alto, te olhando. Olhando como quem quer ser reconhecido; como quem passa os dias pensando nas coisas idas da vida, também, nas coisas vindas e que eu desperdicei porque, no momento propício, eu não estava pronto. Olho a ti daqui de cima e percebo quanto tempo desperdicei não te olhando como agora. Quantas noites mal dormidas eu tive e, por ingenuidade e solidão de quem nunca soube se dividir, decidi ficar pela sala, longe dos braços teus –que era para não te acordar a princípio, quando na realidade era para não me acordar. Não me acordar para o que a vida estava exigindo de mim e eu não quis ouvir, não quis ouvir a ti, nem a Marcos nem Pedro nem a Paulo. Simplesmente fechei meus ouvidos, afastei o mal dormir abanando a cabeça e enchendo minha boca do whisky mais caro que havia sobre a cristaleira da sala de jantar. Perdi o meu sono e perdi de ter colada em meu peito, pedindo asilo, um gole qualquer do meu amor. Perdi em não te amar como devia, perdi de ouvir todas as histórias que constastes nas tuas letras, que não me enviastes porque..., porque eu não tenho mais endereço, não tenho mais agenda; nota fiscal eu perdi, o compromisso com a vida eu me esqueci. Desculpa-me, minha querida Cândida, por não ter dividido meus anseios juvenis como o prometido; por ter te afastado da responsabilidade da minha vida enquanto tu repousavas a cabeça nua sobre o meu ombro, por ter desviado da nossa rota tão cedo. Mas a vida é justa e, a morte, também... Olhando-te do longe, agora, com os lábios sem cor, a roupa ainda de ontem, eu percebo o quanto fiz me perder de ti. Perdoa-me por ter ido, mas não posso mais voltar.
Com profundo amor e arrependimento, do teu

Olavo.

quarta-feira, julho 24, 2013

sobre a helena está a saudade; abaixo de helena, o vazio

às vezes não sei o que pensar e, logo, dizer sobre o que estou pensando. mas ela vem e me abraça de um jeito tão íntimo e tão familiar que me deixa com frio na barriga, aperto no peito e olhos úmidos. 
quisera eu poder entender o que se passa - para seguir adiante simplesmente, ou me sentar no meio do caminho ao lado da dor que nos angustia. 
a saudade pode ser bonita (quando de dia) como pode deixar uma casa cheia vazia. 
meu peito se enche de saudade e isso é languidamente vazio.

quinta-feira, julho 18, 2013

una taza de té

una cosa tan simple,
porém espetaculosa,
de sabores únicos,
de todas as cores;
uma coisa tão simples como uma casa –
abriga os corações amados,
los protege de las tormentas;
uma coisa tão simples como o fogo –
queima e incendeia os corpos;
uma ruptura dos corpos plurais
até a singularidade das almas enamoradas;
así que esta simple cosa
llamada amor.


quarta-feira, junho 19, 2013

Um peito que se infla a cantar

Versos que se cruzam
[Falam-me através do tempo]
Conversas miúdas
Dos corações que choram,
Mas não param de cantar
Sinfonias unas
Uma cem línguas mais
Pousam sobre a alcova
Em ardido soneto de amor
A valsa retine nos becos mundos
Tu e nós num só laço profundo
O mundo todo nós e tu
Num abraço de cordas vocais
Que são letras
Garrafais
Engarrafadas em peito que é nosso
Tão do mundo
Na conversa cruzada
O balanço sonoro
Nestas linhas versadas

terça-feira, junho 18, 2013

O tempo - descanso na varanda

Aproveitando enquanto é cedo
O livro e seu desassossego
Não canso
Paro
Penso
Alcanço

Há nas palavras
O que deveria ter
No manto, no trago
Num campo

Meu corpo que letra é
Letra sendo eu
Nesse espaço em branco
De um banco qualquer

A troca do que fomos
A troca do ser sendo em outro
Ouro negro
Raro
Como teu espanto

Não crio desesperança
Não falo de monstros
Abro o livro
Me deparo
Com o beijo da pena

A linha que traceja
A vida num só pulo
O desassossego
Que em mim vagueia

Num descanso da varanda


sexta-feira, junho 07, 2013

terça-feira, junho 04, 2013

Punição de travesseiro

Acredito não ter superado
O luto é diário
Não superei o dia em que nasci
Porque nascer é morrer
Um dia de cada vez
Lenta, lentamente
Por isso
A única coisa inabalável em mim
É essa tristeza
Esse luto permanente
Nasci
Então morri e
Continuo morrendo
Lenta
Lentamente
Dia após dia

quarta-feira, maio 22, 2013

Pessoas nanquim


Muito me estranha quem não demonstra fraqueza, quem é sempre forte por fora, casca dura que não quebra a qualquer choque. Desconfio de quem não se abate com nada, segue sempre sereno e firme, sem nunca fraquejar diante às decepções corriqueiras da vida. Suspeito de quem diz não conhecer o fundo do poço, quem nunca se viu rastejando no submundo da infelicidade, quem nunca vagou pela escura e fria solidão moribunda genuína do próprio despertar. Dessas pessoas, me afasto. Não são humanas, são robôs, são qualquer coisa outra, menos humanas . Pessoas de verdade sofrem. Rastejam, sentindo agoniada dor rasgar o peito. Pessoas de verdade, se recuperam hora e outra. Antes, frequentam os piores bares da depressão e da auto piedade, mas se reerguem, penteiam os cabelos, passam uma água no rosto e voltam à superfície. Voltam, melhores e mais fortes e corajosos do que antes. Pessoas de verdade querem morrer, mas não morrem porque há uma força muito maior que as põem vivas novamente, frente a frente com o espelho nosso de cada dia. Pessoas de verdade sentem alegria, sentem dor e se renovam a cada amanhecer, independentemente da chuva que cai lá fora.

Enxaqueca


São coisas que sempre estarão entre nós:
A minha solidão e o teu individualismo.

Todos nós focados e, dubiamente, exacerbados
Com a nossa estranha teimosia de querer viver...
A dois, logo quando só podemos ser
(cada um)
Um só.

sábado, maio 18, 2013

O reflexo inflexo da infelicidade nebulosa

Olhou-se no espelho
Teve dúvidas do que era
Perguntou-se há quanto estaria ali
Parada, seminua
E de onde e por quê
Tanta tristeza em seu rosto
Em todo seu corpo desengonçado

Olhou-se mais de perto
Resvalando os dedos nas olheiras profundas,
Nas expressão infeliz de estar viva

Não restou-lhe mais dúvidas
Era ela mesma
Só que menos infeliz,
Do lado esquerdo para baixo

Por incrível que pareça
Menos infeliz.

segunda-feira, maio 13, 2013

O Anjo das Coisas Findas


Joguei a toalha.
Pura e simplesmente.
Foi como
Se o Anjo das Coisas Findas
Viesse ao meu encontro
E docemente dissesse
O quanto sentira minha falta nesse tempo todo de solidão.
Pura e simplesmente
Nos reencontramos.

quinta-feira, maio 09, 2013

Dor epigástrica mais terna do que teu colo

Meu Deus
Uma faca
Bem afiada
Serrando incessantemente um ouvido
É muito mais confortável e
Indolor
Dou que ouvi-lo falar

A que ponto chegamos nós
Nessa vida 
Miseravelmente indigesta
Em que o suco gástrico
Que volta queimando garganta
Mil vezes mais saboroso
Doce é
Do que teus beijos de outrora?


terça-feira, maio 07, 2013

INFORTÚNIO UMBILICAL


Tudo o que fazes para mim
Soa como um fardo
Uma imposição divina
Que deve ser obedecida a cada Ave Maria decorada

Tudo o que fazes para mim
De pálida boa vontade
Soa como cinismo velado
De alguém tão mesquinho e egoísta
Que não é capaz, nem mesmo por amor próprio,
Dizer que não está afim quando, realmente, não estás.

O meu estômago embrulha só de pensar
Que posso ser como tu, logo adiante
Seguindo maquinalmente como a reza de um terço,
Seguindo à risca o dito popular
‘Quem sai aos seus não degenera’

Antagônico e complexo
Nunca fui tua
Apenas saí daí, de algum jeito
Nem sei como, meu Deus

Nunca fomos nada
Nem mesmo fizestes questão
Questão de tentar ser

Nunca fomos nada
Além do que completas estranhas
Que pela infelicidade do destino
Precisam ocupar a mesma sala de jantar.

Mais sofrível do que convivência forçada
É a impossibilidade genuína
De sermos qualquer coisa que não
Meras intrusas
Meras desconhecidas...

Se estas palavras a chocam
Deixam-na perplexa e ofendida
Tente fazer uma aproximação
Mais fidedigna possível
Dos sentimentos com que a tua incoerência
E frieza maternal
Mastigaram minha alma,
Minha felicidade.

segunda-feira, abril 15, 2013

poemelinskiando


espalho o cinza
e nele todo o amor
me infla

fito o oco
e todo abandono
se acaba num sopro

asco
masco

sou forte
e me reparto

um parto que chega
um fardo que parte

divide
subtrai
soma
e
reparte

domingo, abril 07, 2013

do tipo: irreversível

Estou triste
Perdi a tua linha...

Parece bobagem
Não querer beber café
Não contei, mas tem sido assim

Tenho sido do tipo orgânico
Que toma banhos rápidos
Que troca o doce pelo nada
O suco natural, polpas e sangue limpo

Parece loucura:
Somente fazer café
Tem sido minha cura

Difícil não saboreá-lo
O teu sorriso cheira a café
E isso fagulha
O que já não mais
É

Ouço passos na cozinha
Lembro-me do café
Das tuas melodias

Sangue ferve
A chaleira apita
Quero berrar
Mas só tenho saudade
A oferecer nessa casa vazia

Sem falar da cama...
Posso te ver
Saindo dela
Linda e branca
Caminhando na ponta dos pés
Para não me acordar

Eu, acordado,
Fingia dormir
Para te ter cautelosa
Pisando em nuvem
Pela manhã
Somente para mim

Mas agora a água esfria
Moo os grãos de café
Faço tudo
Como manda a rotina
Como tuas mãos brancas
Faziam

Só não o bebo
Não tem gosto
O líquido esfria na xícara
Apenas preto, insípido
Sirvo a mim

A ti
Mas os passos nus
Retumbam a madeira velha
A sala ‘de não estar’
Não estou
E

Estou tão triste
Cheirando a café

Os passos nus continuam
Retumbam-me
Lembro-me da tua solidão
Vestindo minha camisa
Branca
Invento o futuro
Que não tivemos

Sinto falta
Da água quente
Teu café

Inspiro suave e
Lentamente
[Finjo]
A fumaça do café fresco


Inspiro-me
Te vejo
Fumaça
Nua nos pés
Os olhos meus
As mãos tuas
Coando café
Caçoando minha velhice

A tristeza seguinte
Num gole filosofal teu
Perdi
Infelicidade profunda
Não te entender

No desenho marrom
O fundo da xícara
Anuncia o fim

Joguei fora
A tua borra de café
Não contei, mas tem sido assim

Do tipo orgânico
Caso irreversível de ti

sábado, abril 06, 2013

desassossego noturno

Acordei no meio da noite, aturdida, suando frio. Não era pesadelo, mas havia um peso em mim que eu não sabia de onde vira. Um desconforto enorme no peito, sensação de sufocamento. Queria gritar, mas não tinha voz. Era madrugada. Não queria fazer alarde à toa da minha dor. Pensei em buscar um copo d'água quando fui levantar da cama, acordei.
O que eu acabara de vivenciar fora um sonho dentro de outro sonho, esquisito, apertado, pesado.
Acordada, o peso manteve-se. A sensação de ser sem estar é angustiante de começo, mas logo vem o cansaço seguido do conformismo. Tudo se adéqua ao movimento atual, querendo ou não. Tudo segue no peso, no esgotamento do desassossego. Sem medida ou ação precursora de mudança, tudo segue nos conformes, nos clichês da animosidade. Sem estremecer a insegurança, ela continua firme em seu objetivo; barrando tentativas de revirar a alma, de avivar os sentimentos para o agora...
Tudo segue pesado, cansativo.
Nem me lembro mais da última noite em que finalmente adormeci, esgotada. Isso que tenho tem um quê de nada, rotulado como tudo aquilo que dói sem saber e imobiliza sem querer.

terça-feira, março 26, 2013

mãe

foi dito. teve vômito e por mais que isso me incomode, foi necessário, pois que desobstruiu a passagem para o que deveríamos ter sido. sem hipocrisia, tudo dito foi. sem uma lágrima caída, ainda que a mágoa seja a nossa única ligação, acima dela persiste a raiva; até mesmo rancor. daquilo que não foi resolvido. não por mim; tenho tido inúmeras conversas e conselhos na terapia nesses últimos dez anos. tenho feito minha parte, por isso tenho conseguido deitar a cabeça no travesseiro e dormir. tu também tens dormido. eu tenho te ouvido dormir. volte e meia, na ida ao banheiro, passo pelo teu quarto e te espio o sono pela porta entreaberta. tens dormido e eu me pergunto "como?", como dormir, como fingir essa imparcialidade? como fazer de conta, por tantos e tantos anos, que não há nada fagulhando o peito? a mágoa arruína-nos, mãe. ela perturba; amarra-nos ao passado que já deveria ter sido esquecido. eu quero pontilhar uma trajetória de afeto: comigo, contigo e com a minha infância. no entanto, preciso que tu faças o mesmo: contigo, comigo e pela nossa infância.


ao som de: Doces Bárbaros - eu te amo

terça-feira, março 19, 2013

Mansidão complacente

Um alento
Em meio à madrugada
Fria e escura

Um acalanto de ternura
Pelos olhos escorria
Aquecendo a face mórbida da melancolia

Um carinho recíproco
De quem soluça baixinho
E é completamente capaz de mitificar
O sentimento piedoso e suave
Vindo da imensidão terna da noite

Embora haja o pranto, oriundo das dores e medos adjacentes
Embora o misterioso e conflituoso medo de se perder no infinito das lágrimas...,

Há mansidão complacente
Há beleza na própria e solitária dor
Pois é nela que a fênix da nova chance ressurge
É senão a dor: o trampolim à plenitude consoladora.

sexta-feira, março 15, 2013

À beira do caminho


'Sentado à beira do caminho'
Sou flor, sou espinho
A dor vem do chão
Sou pó, estou sozinho
Não há mais ouvido que aguente
A luta dos que gritam
Não tem mais som nas ruas
Uma guitarra não toca nua
'Sentado à beira do caminho'
Há desistência e pranto
A dor no chão eu não piso
Estou abaixo dela
Onde há pó, espinhos
Onde há o que esquecer.


ao som de Belchior - Tudo outra vez.