Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

quarta-feira, abril 30, 2014

enxaqueca II

cada enxaqueca
uma sentença
gelo e rima
fazem parte de
pequenos poemas
e de grandes dilemas

segunda-feira, abril 28, 2014

enquanto nós

ele tem a mim
como ninguém teve
e a recíproca é tão verdadeira
tão bem encaixada
que até o amor
sente inveja
do que somos
enquanto nós

sexta-feira, abril 25, 2014

não sou estrela cadente

sumindo
ninguém vê

rastro luminoso de meteorito
queimando no espaço
ninguém na janela
cantando estrelas
todos dormem

eu queimando
sumindo dos olhos
que não se abrem

ninguém vê
o rastro que deixei
arder no espaço
no infinito tempo
a solidão
que agora não sou

não sou mais
sumi
e ninguém viu

ninguém viu
ninguém viu
ninguém viu

sumi

ao som de marisa monte -- alta noite

quinta-feira, abril 24, 2014

uma hora e meia para o resto da vida

deitei no divã
duas sessões seguidas
uma hora e meia
em meio aos risos
que a vida proporciona
sem que se perceba

uma hora e meia
"aih, acaba, não!"
uma hora e meia
e a vontade de dormir

e a vontade de acordar
de repente
de repente e se pegar
encharcada no riso
na piada pronta
 na sagacidade momentânea
que a vida tem de ter
mas nem sempre
a gente encontra tempo para ela

 uma hora e meia de
"essa sou eu? essa sou eu?
 essa sou eu. essa sou eu!
ESSA SOU EEEEEEEEU!!!!!"
uma hora e meia
para o resto da vida
para o resto da vida

uffa!!

terça-feira, abril 22, 2014

farda, cigarros, café e saudade

sentir saudades
é como respirar
movimento involuntário
tu não o coordenas
nem mesmo programas o sentir saudade
acontece
igualmente por questões fisiológicas
igualmente por questões de sobrevivência
de fazer sobreviver alguém que
– por movimentos involuntários da vida –
não volta mais

ao som de "titãs -- epitáfio"

terça-feira, abril 15, 2014

verbum caro factum est



viu o primeiro crime
pela tevê
conheceu a cena
viu o corpo estendido
soubera de detalhes
reconstitui os passos
horrorizado com a atrocidade
espiou entre os dedos
não dormiu durante um mês
quando cochilava
tinha pesadelos

viu o quinto homicídio
pela tevê
estava com a mulher
compadecido, chorou baixinho
observou a nova mesma cena
e as marcas de sangue pelo chão
escorrendo do teto
rezou
teve pesadelo numa noite

viu o vigésimo homicídio
pela tevê
acompanhado da mulher
e do primeiro filho
de colo
baixou o volume
e contou uma piada

viu o nonagésimo crime
uma briga de trânsito
alguém buzinou
outro alguém não gostou
saiu do carro
pegou uma 38
com o número de série raspado
desferiu cinco tiros
na mulher que buzinara
ainda nem o cinto havia tirado

viu o crime
pela tevê
foi ao banheiro
e lavou as mãos
alisou a barba refletida no espelho
lavou novamente as mãos e jantou
em frente a tevê
as marcas de sangue
no vidro do carro
na tevê
a vítima cinco vezes furada
aquela que houvera buzinado
para um cachorro desatento
sair do meio da rua
o assassino com a arma na mão
o 38 com o número de série raspado
o assassino consciente da impunidade
achando fazer justiça
crendo estar certo
o porte de arma
o sangue no vidro
a vítima cinco vezes furada
dois na cabeça
dois no abdômen
um no coração
perfurou o pulmão
perfurou o banco
parou o trânsito
a vida banalizada
esvaída na tevê
o homem de família
com a 38 na mão
no meio da rua

o homem em casa lavou seu prato,
comeu um mousse
de sobremesa
e foi dormir
dormiu feito anjo
a vida banalizada
em casa
na rua
na tevê

arma
troca objeto
muda o objetivo
vira verbo
amar
amar
troca o verbo
muda o objetivo
vira objeto
arma
dessa ninguém esquece
antes de sair de casa
carrega consigo a 38
menos a consciência
que é de tamanho menos 8
menos 38
menos vida
outro esquecimento no jornal da noite

sexta-feira, abril 11, 2014

quinta-feira, abril 10, 2014

paixão também demove

cada um se arde
àquilo que chama
inflama até depois da lua cheia
tudo é válido
até fogo de lareira

quarta-feira, abril 09, 2014

identidade lírica

cresceu drama
sem o lúdico necessário
o ampliador da criatividade
do estímulo intelectual e da felicidade
cresceu
apenas lírica
do verso em lágrimas
da rima suicida
do exagero da vida nua e crua
exposta tal qual ferida aberta
cuja única cicatrização
acontece na solidificação dos eu
que aprenderam a crescer só em apartamentos
vendo-se em espelhos quebrados
acompanhada de si
em pequenos pedaços lascados pelo quarto

terça-feira, abril 08, 2014

quem vai arrumar essa bagunça?

como suportar
a cama desfeita
a casa revirada
eu fora de mim
dentro de ti
que é o meu lugar
e não estou?

aprendendo a bordar o amor

atrapalhados num emarando de linhas,
tentando descobrir a ponta
para começar novo bordado
encontramos um ao outro e,
diariamente, juntos
aprendemos uma nova laçada
a fim de chegarmos num ponto único
só nosso para bordar o nosso amor

ao som de nei lisboa - por aí

sexta-feira, abril 04, 2014

coisas que a gente só percebe quando está na rua

quando ele partiu
tudo mudou
até mesmo o número de telefone
de mais de vinte anos
se desligou
são três anos desde então
e eu ainda pergunto pra mãe
qual é o nosso novo número
onde que a gente mora
porque ainda não sei onde estou
sem ele por aqui
indicando placas
e fazendo gesto com a cabeça 
para eu seguir em frente


ao som de milton nascimento: travessia

condenação de primeira e segunda instância – sem mais poder apelativo

           para Alice Pereira

pela legalidade da vida
eu delibero ser feliz
à revelia – noite e dia!

terça-feira, abril 01, 2014

nessa onda de pesquisas afirmam

a mulher não colocou a mão no bolso
estivera nua
a mulher não voltou para a casa
fora roubada
a mulher não sorriu ao ver o sol nascer
fora aprisionada
a mulher não sangrou porque estava menstruada
fora estuprada
fora espancada
fora mutilada
fora esquartejada
fora enterrada
a mulher não tinha voz
a mulher não tinha olhos
a mulher não tinha nome
a mulher poderia ser tu ou tua filha
ou tua mãe ou tua esposa
ou tua neta ou tua professora
ou tua vizinha ou tua dentista
a mulher poderia ser eu
a mulher poder ser
mas não é
porque a mulher não tem voz
a mulher só tem corpo
seios e bunda que o homem gosta
a mulher só satisfaz o homem
mesmo que não queira
mesmo que não sinta prazer
a mulher congela, mas não pode ser fria
a mulher usa saia
a mulher usa vestido
a mulher usa burca
a mulher mostra o umbigo
a mulher assim
poderia ser a tua avó ou tua tia
a tua madrinha ou tua irmã
a tua companheira ou a padeira
a florista ou a jardineira
a secretária ou a advogada
a mulher assim
poderia ser
mas não é
não é porque perdeu a voz
perdeu os movimentos do corpo
perdeu a visão
perdeu os sentidos
perdeu a razão
perdeu a dignidade
perdeu a chance de viver
a mulher poderia ser
mas não é

não é porque a mulher morreu