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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Olhos de (vi)ver

        Parece sempre estar à procura de olhares alheios. Caminha lentamente pelo centro da cidade, onde a peregrinação é mais entusiasmada, e de rosto em rosto fixa-se em olhares dispersos, outros timidamente alegres, e na grande maioria, tantos mais alheios em suas dores, estressados, desanimados por ainda enxergar. O que seria dessas pessoas se a visão lhes fosse roubadas? Sabem elas como é terrível (ou quem sabe, fascinante, certas horas) não poder enxergar? De maneira indiscreta, continua a dar seus passos lentos, continua a se mostrar para os transeuntes, mas eles estão cansados demais para perceberem sua presença.
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Pingos distantes e luminosos começam a povoar os céus daquela linda capital brasileira. Parece que ninguém dorme nem descansa. Ninguém nota as flores nem as estrelas nem mesmo seu próprio rosto amargurado refletido no espelho da noite. As ruas continuam sôfregas de pés habilidosos, que mecanicamente, desviam-se dos muitos buracos que há nas calçadas e do trânsito agitado de bicicletas e motocicletas que aceleram enfurecidas.
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No primeiro banco vazio que encontra senta-se desacorçoada. Sente que suas idas ao centro da grande capital parecem não ter mais sentido algum. As pessoas andam atordoadas de contas à pagar, de compromissos extras, os mesmos que lhes tiram do seio de sua família em meio à noite incansável e barulhenta. Atira-se para trás e leva as mãos ao rosto já banhado em lágrimas. Chora compulsivamente. Sente doer uma dor que não é sua, mas ao mesmo tempo lhe é tão familiar...
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Lembrou-se dos tempos de meninice, quando o pai chegava em casa – visivelmente esgotado de tanto trabalhar; aquelas manchas pretas embaixo dos olhos nos remetia a isso -  trazendo em uma das mãos flores brancas para mamãe e uma lembrancinha para ela, por vezes livros de poesia e algum punhado de balas de goma.  Apesar de seus olhos carimbados do serviço cansativo que sustentava sua família, sempre sorria quando as via, sempre as apertava, mamãe e ela, forte em seu peito. Imagino eu, ela quase amassar o coração de seu distinto pai de tão apertado que eles abraçavam-se.
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Lembrando-se dessa cena, mais difícil foi para conter as lágrimas que escapuliam para fora de seu rosto, caindo sobre o peito infestado de jovens sardas. Alguns segundos depois sentiu um leve toque em sua mão direita. Trancou a respiração e prontamente engoliu o choro. Desencostou o dedo mínimo do outro a fim de espiar o dono daquela mão. Uma única certeza tivera: era a mão de um homem, aquela loção masculina lhe era familiar! Pela frestinha de seu fino e comprido dedo, avistou um homem trajando um terno cinza, impecavelmente engomado. Afastou as mãos do rosto, que imediatamente tocaram seu coração, como que querendo segurá-lo para não fugir de dentro dela; a mão e aquele cheiro de loção pós-barba lhe eram familiar, ela sabia disso. Aquela fragrância de infância impregnou sua memória recheada de boas recordações de cantigas de roda. Esfregou os olhos para ter certeza e mesmo assim, parecendo delirar de febre, seu rosto não estava febril.
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Era o seu pai. Aquele cheiro, aquela mão bem cuidada e aquele terno bem frisado eram de seu pai. Mas ele partira há tanto tempo! Ela esteve lá no enterro dele – a contragosto de sua mãe, que queria preserva-lhe a imagem de seu pai ainda vivo, “vendendo” saúde como diriam, radiante. Esteve sim, em seu enterro. Até mesmo jogara Amaro, seu ursinho de pelúcia predileto, dentro do caixão. Quem seria então aquele homem que estava parado com um sorriso fraterno em sua frente? De quem seriam aqueles olhos tão carregados de esperança, mas que se deixou manchar com as incertezas e dores que a vida lhe trouxe?
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Era ele, disso, só teve absoluta certeza quando, detrás de suas costas o ursinho Amaro saiu, impecável como antes, parecendo ainda recém tirado da prateleira da loja de brinquedos daquele ano de 1959.  Não empalideceu, seria essa a minha reação ao ver um fantasma tão próximo. Agarrou da cintura de seu pai e apertou forte beijando-lhe a barriga, os braços, as mãos, até que ele a pegou no colo dando a oportunidade para ela enfim, poder beijar-lhe a face recém barbeada.
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Ambos permaneciam mudos, fitando um os olhos do outro. Contando com doçura caída em lágrimas toda a saudade que sentiram estando longe, assim. Abraçavam-se com ternura angelical, quase pude ouvir o som das cordas firmes de uma velha harpa celestial.
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          Encostando os pés no chão, a não mais pequenina criança, de mãos dadas com o seu amoroso pai caminharam em direção àquele aglomerado de gente, os quais apressados mal notaram aquela menina pálida, de cabelos esvoaçantes a perambular com o braço esticado ao vazio, como se de mãos dadas estivesse. Ninguém a notou sorrir ao contemplar os olhos meigos de seu falecido pai. Ninguém percebeu quando ela, radiante e lúcida, desapareceu no meio daquela luz forte e branca vinda não sei de onde. Ninguém a ouviu dizer um último adeus e sorrir. Nem mesmo eu lhe vi passar. -->

domingo, dezembro 27, 2009

O voo da liberdade

Não sabia ao certo como reagir. Pensava que a parte que lhe cabia havia sido cumprida. Pensa, pensava e pensava. Submersa em seus pensamentos, fitando a paisagem em sua volta coberta de gelo, respirou profunda e lentamente. Tratou de cuspir o nó na garganta que lhe apertava até a alma. Cuspiu palavras desconexas, frases imaturas e profanas. Parecia não pensar. Quem não a conhecesse poderia ter certeza de que era surda, nem sempre muda. Mas portadora de uma surdez friamente calculada. Uma frieza surda. Uma surdez fria. Por pura birra. Por puro ódio sabe-se lá do quê e por quê.

Sentada na varanda da casa, os pássaros sobre os galhos das árvores branquinhas de neve, pensava no que seria feito dela desse dia em diante. Fitava os galhos, queria ser os pássaros que repousavam suas penas molhadas sobre aqueles galhos frios. Desejava ter asas, desejava voar e conhecer a vida de todos de uma visão mais distante, de cima. Despreocupada e egoísta como os demais de sua casa.

Tomada por um impulso incontrolável, subiu as escadas que a levariam para o quarto de Susan, a criada latina de sotaque frouxo. Abriu a porta com violência e correu para a janela que ficava sobre a cama impecável, perfeitamente esticada por Susan. Primeiro firmou o pé esquerdo sobre a lajota cor-de-sangue e, quase que num pulo empinou o peito para frente e logo teve pé direito fazendo companhia ao outro que estava naquele peitoril estreito da janela. Tirou a fita amarela que estava amarrada em seu cabelo desbotado e fez um laço em volta do pescoço. Parecia sorrir. Seus olhos brilhavam sangue. Sua garganta ardia como o álcool jogado nas suas feridas em carne viva. Queria gritar – e não era de dor, parecia até não sentir mais dor. Queria voar. Queria sonhar mesmo sem saber exatamente o que aquilo significava.

Parecendo fazer um passo de balé girou a fita com violência, arqueou o corpo para fora da janela e soltou os pés arroxeados do frio. Branca como a neve. Branca de tanto tentar esquecer o que seria feito dela daquele dia em diante... Pensou pela última vez e com uma risada derradeira pronunciou o que muito lutara para conseguir: AGORA SOU LIVRE!

E a fita, apesar de ser um simples enfeite em seus cabelos desbotados, segurou-lhe com força até que alguém de casa, ou quem sabe a própria dona do quarto, Susan, dessem falta dela. Mas parecia ninguém se importar. Ninguém lhe notar.

Novamente iniciou-se o ciclo e os pássaros continuam balançando-se sobre os mesmos galhos mais uma vez cobertos de neve. De uma outra neve. E o desejo de antes, essa liberdade, esse querer voar, parece insignificante diante da bela paisagem invernia lá do outro lado da janela.


Ninguém sentiu sua falta, e Susan, sequer, existira algum dia. Mas ela, amarrada pelo magro pescoço sem vida com sua fita de veludo amarela, sorriu, parecendo não sentir dor. E finalmente, bateu suas asas pálidas e voou terrivelmente sóbria. Terrivelmente lúcida nesse lugar frio e egoísta. E voou sem nem olhar para trás. Sumindo por detrás da nuvem negra passageira.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

À flor da pele

Desculpa se não sei usar
das mesmas palavras que você.

As coisas por aqui
nem sempre foram desse jeito.
Quase sempre era inverno.
E é difícil acostumar-se aos dias de sol,
quando o que sempre se sentia era frio.
Mudanças repentinas, por mais que sejam necessárias,
são difíceis. Tente compreender.

Quem sabe, o frio é só por fora.
Pois, aqui por dentro
os dias sempre foram quentes.

Talvez não tão quentes como imaginas,
mas aqui, ainda bate um coração.
E ainda são só emoções. Sendo assim,
a razão fica do lado de fora,
quem sabe, ela pertença somente a ti...


E por esse motivo nos completamos tão
doce e suavemente.

Mas por favor,
não me peça para não sentir.
Sinto, sinto forte e exageradamente,
e sinto.
E por esse motivo, cedo ou tarde para você,
A razão, aquela que muito te pertence,
pode então, fazer parte de mim.

Mas por enquanto são só emoções.
E estão todas à flor da pele. Cuidado.