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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

domingo, dezembro 27, 2009

O voo da liberdade

Não sabia ao certo como reagir. Pensava que a parte que lhe cabia havia sido cumprida. Pensa, pensava e pensava. Submersa em seus pensamentos, fitando a paisagem em sua volta coberta de gelo, respirou profunda e lentamente. Tratou de cuspir o nó na garganta que lhe apertava até a alma. Cuspiu palavras desconexas, frases imaturas e profanas. Parecia não pensar. Quem não a conhecesse poderia ter certeza de que era surda, nem sempre muda. Mas portadora de uma surdez friamente calculada. Uma frieza surda. Uma surdez fria. Por pura birra. Por puro ódio sabe-se lá do quê e por quê.

Sentada na varanda da casa, os pássaros sobre os galhos das árvores branquinhas de neve, pensava no que seria feito dela desse dia em diante. Fitava os galhos, queria ser os pássaros que repousavam suas penas molhadas sobre aqueles galhos frios. Desejava ter asas, desejava voar e conhecer a vida de todos de uma visão mais distante, de cima. Despreocupada e egoísta como os demais de sua casa.

Tomada por um impulso incontrolável, subiu as escadas que a levariam para o quarto de Susan, a criada latina de sotaque frouxo. Abriu a porta com violência e correu para a janela que ficava sobre a cama impecável, perfeitamente esticada por Susan. Primeiro firmou o pé esquerdo sobre a lajota cor-de-sangue e, quase que num pulo empinou o peito para frente e logo teve pé direito fazendo companhia ao outro que estava naquele peitoril estreito da janela. Tirou a fita amarela que estava amarrada em seu cabelo desbotado e fez um laço em volta do pescoço. Parecia sorrir. Seus olhos brilhavam sangue. Sua garganta ardia como o álcool jogado nas suas feridas em carne viva. Queria gritar – e não era de dor, parecia até não sentir mais dor. Queria voar. Queria sonhar mesmo sem saber exatamente o que aquilo significava.

Parecendo fazer um passo de balé girou a fita com violência, arqueou o corpo para fora da janela e soltou os pés arroxeados do frio. Branca como a neve. Branca de tanto tentar esquecer o que seria feito dela daquele dia em diante... Pensou pela última vez e com uma risada derradeira pronunciou o que muito lutara para conseguir: AGORA SOU LIVRE!

E a fita, apesar de ser um simples enfeite em seus cabelos desbotados, segurou-lhe com força até que alguém de casa, ou quem sabe a própria dona do quarto, Susan, dessem falta dela. Mas parecia ninguém se importar. Ninguém lhe notar.

Novamente iniciou-se o ciclo e os pássaros continuam balançando-se sobre os mesmos galhos mais uma vez cobertos de neve. De uma outra neve. E o desejo de antes, essa liberdade, esse querer voar, parece insignificante diante da bela paisagem invernia lá do outro lado da janela.


Ninguém sentiu sua falta, e Susan, sequer, existira algum dia. Mas ela, amarrada pelo magro pescoço sem vida com sua fita de veludo amarela, sorriu, parecendo não sentir dor. E finalmente, bateu suas asas pálidas e voou terrivelmente sóbria. Terrivelmente lúcida nesse lugar frio e egoísta. E voou sem nem olhar para trás. Sumindo por detrás da nuvem negra passageira.