Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Madrugada


Lembrar é não ver, como diria Alberto Caeiro; lembrar é sentir o que não se pode tocar nem o que não se pode resgatar. Lembrar é lembrar. Puro saudosismo em dois goles de vinho. Em processos. Num ver a chuva bater na janela, o vento soprando os galhos das árvores... Um arco-íris que desperta lá no fundo e, finalmente, o sol que surge trazendo de volta a rotina tão esperada. E o lembrar de antes, agora, já foi esquecido. 
Lembrar é lembrar. Um processo, um momento passageiro. Viver é mais, mas o gosto ainda é o mesmo: o de lembranças e o desejo de esquecer.

segunda-feira, outubro 25, 2010

Revolução imanente


As coisas não deveriam ser assim,
Estamos carentes de ídolos.
Não entoamos mais cantos
De protestos. Não saímos às ruas
Em busca de nossa felicidade
E de nossos direitos.

As coisas não deveriam ser.
Vi Ruby Dee na televisão outro dia,
E fiquei pensando o quão minha geração
É carente de ídolos.
Não entoam cantos, não protestam.
Não usam sabiamente as palavras.
Estamos todos carentes de ídolos.

Minha geração é impregnada
De ignorância tecnológica.
E como ficam àqueles
Que desconhecem, sequer, esse termo?

Estou cansada de ver nos noticiários
Políticos brigando entre si,
Por coisas inúteis que não mudarão eles próprios.

Estou cansada dessa preguiça
Imanente à minha geração.
Também estou nessa! E infeliz por isso.

As disputas não são por nosso bem estar.
As brigas não são por nós. Não são para o povo.
Não buscam democracia.
São demagogas. Egoístas e podres.

O que Ruby Dee fez por seu povo,
Por sua raça, por seus direitos,
Não atingiu somente à sua geração.
Seus descendentes carregam no sangue
Esse desejo de mudança. Desejo vanguardista,
A que tanto ela menciona nessa entrevista.

Ruby Dee, Martin , Malcom X,
Gandhi, Chico Xavier:
Almas diferentes,
Mas que se aproximam e se tornam uma só
Pelo que lutam, buscam e acreditam.

No presente, porque, apesar do pouco
Esforço e boa vontade de nossa juventude,
Esses espíritos grandiosos por suas lutas
E fé, sempre fé, no próximo,
Precisam estar em nós.
Precisam fervilhar em nossa essência,
Transbordar em nosso moral
E ser entoado como hino.
O hino da nova revolução.

terça-feira, outubro 19, 2010

Na busca incessante de mim mesma

Um orgulho e uma satisfação contida em meio sorriso. Palavras e desejo de se estar perto. E a certeza de se estar no lugar certo. É tudo que tenho para hoje. A sensação de o vento tocar em meu rosto, do sol bater fundo na retina astigmática de meus olhos, é tudo que carrego no dia de hoje.
Repousei as sacolas carregadas de medos e fantasias. Coloquei-as no chão, do lado de fora da casa. Na varanda, perto do vaso com girassóis. No desejo, de que ali, floresçam novas sensações - e que sejam serenas e acolchoadas.
Apesar dos olhos astigmáticos, ainda enxergo de longe. Enxergo longe, longe, longe... como ecos que não têm fim - ainda que a Física me conteste. Soam à milhas daqui. E não se perdem no ar. Continuam flutuando, vagando até encontrar um lugar seguro para se aninhar. E só assim, cessam - por hora!
Não guardo olhares para o passado. O que, de fato, me interessa é o que ainda desconheço. Ainda que não me falte argumentos para ficar, tomo dois goles de café e bato a porta da frente. Ando reto e desejo alcançar meus horizontes. Quem tiver fôlego, que me acompanhe. Os demais que aspirem um pouco de sol e sintam o vento nos cabelos, ali na varanda, perto do vaso com girassóis. 
Estou de saída e não tenho pretensão de voltar. A cada quilômetro percorrido, junto uma porção de meios sorrisos dados e formo em um largo e satisfeito sorriso bem dado. Sem vontade de se desfazer. Apenas somar. Porque multiplicar implicaria pular algumas etapas, e quaisquer que venham pela frente: são necessárias. Por isso, digo que já fui. Já estou lá. E que me acompanhem os saudáveis de coração.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Fatias de nós

É como se não houvessem palavras partidas.
Tudo, enfim, é a força do hábito.
Podar uma árvore para que novas folhas nasçam.
Cortar estradas para que o percurso seja breve,
e o (re)encontro - por favor! - seja demorado.

Cortar, fatiar, partir: nem sempre a dor sentida é deveras triste.
Esquecer, perder, negar: isso sim é fazer doer.
Não me esqueça. Apenas me parta e me fatie em pedacinhos bons.
De lembranças em imagens recortadas, rememoradas em flash-back
de um percurso longo ou breve, de um toque na mão ou no coração -
mas que aquece de ambos os jeitos.

Fatie-me em feixes de luz.
Desdobre a Física, e tenha-me luz na vertical.
Invente-me a cada novo amanhecer.

Eu, mesmo que do alto, continuarei à espreita, à espera de ti
juntando nossos pedaços partidos em longas conversas.
Colando-os em cores alegres, costurando-os em bandeiras de paz,
formando, novamente, um mosaico de nós dois.

Não engane-se: as palavras de antes partidas
são feitas de sentimentos intactos, puros -
fatias de nós.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Ir

Seguir à risca as coordenadas médicas.
Seguir à risca os conselhos dados. 
Seguir por simplesmente seguir.
No entanto, o desejo encoberto por cápsulas
e tapinhas nas costas é de não seguir. 
É de puramente ir.

domingo, agosto 08, 2010

Meditação

As noites são escuras para todos.
Não há quem supere seus medos em noites como essas.
O pranto, tanto faz o seu motivo, é substancial.
Reflete o passado, que de distante, nunca existiu.

Curva-te para essa mulher, que assim como tu, busca ser alguém.
Um alguém que não seja ela, assim, tão oca e íngreme.
Íngreme como a escalada daquela montanha na manhã de domingo,
trabalhosa por suas imperfeições.
Buscas ser, decerto, alguém e esse alguém precisa ser distante de si.

Uma barra de ferro pendida no ar é mais valente frente a sua própria dor – pressupões.
Mas o poço está coberto. As janelas estão fechadas.
Há quem diga que o telefone também está cortado.
Ele, do amor ao ódio e, por fim, a aceitação,
também te busca no silêncio das noites
enquanto estás parada em frente a parede rosa, que agora, bate junto ao peito.

O zelo dessa dor é tão confuso quanto ameno.
A solidão que permeia por essa noite também é minha.
Sou solícita, complacente a dor que te aflige e
que tampouco é minha.

Substancial e desigual ela atinge as manhãs.
Rompe com o silêncio de pântano,
rompe com a liberdade em escala. 
Agora, livre, podes ecoar esse teu canto melódico e sombrio,
que pousa em mim como um alento - como um filho a quem dou meu seio farto.

Uma cumplicidade sigilosa, secreta de duas almas que estão de mãos dadas,
e onde quer que estejam cantam intensamente
a dor que as acompanha e as une.
Tornando a imagem refletida no espelho: uma só.
Brumosa, vaga, alheia, sem forma. Mas uma só.

O lago que és reflete a imagem do que fostes:
plácida a traições, fria e subversiva quando tratado de ti mesma.
Ingênua, doce e triste.

Uma menina que perdera o sorriso fácil ainda quando moça.
Hoje, uma mulher tão ou mais forte
quanto aquela barra de ferro pendida no ar.
Ainda flutuas sob os oceanos puros
que a liberdade apressada te recompensou.
Flutuas leve e amistosa, tranquila e vagarosa nos rochedos do meu eu.

domingo, agosto 01, 2010

O último gole do filósofo

Não, não era o homem que queria ser. A intimidade sibilina com Aristóteles e sua Grécia Antiga teria feito em profusão esta carne opaca e sem pouco viço, de difícil diálogo amistoso e introspecção exagerada. Encontrava a cura para sua demasiada sapiência e dor em dois goles de cachaça. Dois atrás de mais dois e assim, durante uma noite inteira até o sol despertar, dois goles de pinga era o que ele dizia que havia bebido. O trem partiu sem que ele se despedisse, nem um aceno tímido de longe ele deu. Dois dedinhos, meu caro - ele pedia ao garçom magro e acinzentado que fitava o relógio de minuto em minuto aflito para estar em casa e tirar aquele cheiro de desgraça de seu corpo. Mais dois dedinhos aqui, meu fi... - soluço. Ezequiel era o nome do garçom, mas os frequentadores daquele bar fétido não faziam questão de saber. Queriam ser servidos. E o serviço tinha de ser rápido, igualmente aos seus lúcidos conhecimentos sobre ética e metafísica.

Aflitos em sua desgraça e descrença. Aflitos por não terem para aonde ir. Aflitos por não sentirem outra coisa a não ser essa: aflição sincrônica ao desconhecimento imbecil de suas próprias limitações. Uma mistura de pena de si mesmo com um bocado de pressa. Pressa de quê, exatamente, nunca ninguém soube. Nem eles mesmos, donos de suas próprias aflições agudas manuscritas em exaustivos ensaios acadêmicos. A legião acadêmica, composta por renomados e ilustres donos de uma oratória invejável, pontualmente batiam seu cartão naquele bar.

O trem partiu e, da estação, as despedidas eram mais frequentes do que os reencontros. Despedidas zangadas. Despedidas adormecidas no colo das mães. Despedidas agoniadas. Despedidas corrosivas. Despedaçadas, desprendidas. Aqueles dois dedinhos de pinga mais um dedinho de prosa com o acompanhante misterioso, que a própria física insiste em decodificar seu espectro e sua constituição de cargas elétricas magnetizadas, fizeram com que o último suspiro de adeus não fosse ouvido. Ouviu-se um choramingar baixinho e inconformado. Ouviu-se o som da mala fechando. Ouviu-se um gole de cachaça descendo e queimando a goela seca do moribundo de alma. Não se ouviu um adeus. Ouviu-se um último soluço etílico e um brinde à... Não se ouviu decerto. O copo deslizou de sua mão e o moribundo, cujo raciocínio era tão brilhante quanto de uma vaca, espatifou-se no balcão.

E o trem novamente deixou aquela estação. Um último adeus a Platão.

quinta-feira, julho 29, 2010

Prólogo da dor

Se, perder-se no infinito-eu fazia parte do plano,
contento-me com o que sou agora,
na posição em que cheguei,
e cruzo os braços sobre minha barriga – àquela de que outrora recebia,
frequentemente, a visita das borboletas –
na espera sem forças de outro alguém.

Mantenho os braços cruzados diante
da minha própria impessoalidade,
quem sabe passageira,
e recosto na cadeira o dorso curvado
por carregar sobre os ombros
o peso de um mundo que não é meu.
Mas que dói corrosivamente.

Aos poucos. Em prantos.
Eis então, aqui, a parte de mim
que te cabe saber.

sexta-feira, julho 02, 2010

A Deus eu peço


Se era para ser clara a noite
que despertava em zelo árduo
e significativo dos fados de inverno,
                          
que renasça em mim,
em novo acorde, um suspiro longo e macio
para que da aurora pudéssemos aproveitar
a nova chance de aqui se estar,
como antes, como quando, ao berrar dos galos da fazenda,
a parteira vinha comigo aos berros - eu querendo o teu colo quentinho –
e tu querendo ouvir minha respiração ao pé do ouvindo.

domingo, junho 20, 2010

A imitação da imitação da rosa

Sentada em posição de alerta, ereta como um trem que já partira. E da estação ninguém lhe acenava. Ninguém estendia o braço e balançava a mão num gesto de respeito, de dor, de saudade. Ninguém. O lenço branco fora jogado inutilmente pela janela do trem. Bailou por alguns instantes no ar e caiu lenta e suavemente ao chão. Aos pés de ninguém que ali estava e interessava. Ninguém pegou o lenço no desejo ímpeto de tê-la consigo. De ter, ainda que em um pedaço de pano, seu cheiro suave de manhã, sua pele macia e cuidada. Ninguém fora até a estação, ninguém acenou e jogou-lhe um beijo saído da palma da mão grossa cheirando a loção de barba.  A viagem era o passo mais impreciso e longo que ela dera depois do acontecido. A rosa, flor que lhe despertara a vontade de viver, estava guardada em um embrulho de seda, dentro de sua bolsa de mão. Não quisera deixá-la em sua antiga casa. Não quisera que ninguém não cuidasse de suas pétalas, nem sentisse seu doce perfume pela manhã. Quisera tê-la consigo igual a uma mãe quer ter sobre seu colo o filho recém tirado do ventre. Quisera protegê-la, cuidar de seus espinhos e assegurar-se de que teria água o suficiente para respirar.
Quisera fazer de si o cuidado que precisaria ter consigo depois do tapinha nas costas. Quisera ocultar as palavras nunca, desde então, pronunciadas, mas que na ânsia escondida de um desejo árduo de seguir em frente, precisavam ser ditas. Pronunciadas em uma conversa amistosa, uma conversa desprovida de sentido lógico. Palavra jogada no vento morno que entreva pela janela da sala e enchia a casa de uma tranquilidade imparcial, tímida e sem restrição. Jogada no desejo de que quem fosse seu ouvido a captasse, ingerisse mas não a saboreasse de primeira. Desejara que permanecesse um pouco em seu estômago, pesando como a feijoada do almoço daquele dia. Desejara ser tão intensa e desprovida de qualquer comodidade alheia que a fizesse sentir o gosto amargo da inveja passageira. Desprovida de medo. Do temor de ser apenas única e assim, mesmo que única, ser bela e esperançosa como aquela rosa. Uma simples mudança de sentido, de direção, de percepção fez com que ela sentisse que a mudança, tão fortemente desejada pela razão alheia, a tomasse de súbito; como um desejo enorme de uma sede absurdamente palpável no sertão de um canto qualquer.
Sertão. Era para lá que iria. Sentir a necessidade contida e impaciente de se ter nos lábios uma única gota de água. Sentir a necessidade de viver desesperadamente o brilho das horas matinais, de arrumar os cabelos sem temer que, fio por fio, despenque tapando-lhe a visão mais sensata e real que tivera. De sentar-se em um banco de praça sentindo o cheiro de grama molhada sem preocupar-se com os sapatos sujos da terra argilosa. Sentir o vento úmido que pronunciara mais uma noite de inundações. Inundando-se sem esperar o alerta vindo de um sorriso apreensivo, no desejo de reter toda sua intensidade presa em divagações tão suas... Tão únicas. Lembrar-se dos sorrisos e rir deles por saber que agora, mais do que nunca, se está bem. Estou, sincera e inteiramente, bem – aos gritos no sertão de areias finas qualquer. Correndo apressada; apressada por chegar a lugar algum, apressada soltando gritos que estiveram mudos naquele quarto de hospital. Soltando gritos na exatidão dos dias sem demora. Da noite que chega e não mais apavora. Do frio que sentiu sua mão do lado de fora da janela do trem. Do lenço branco jogado aos pés de ninguém. Única e tão complacente de sua existência significante para si, agora.

segunda-feira, maio 24, 2010

Mudanças

Certos estudiosos da língua dizem que as palavras existem para dar nome as coisas e torná-las reais. Caso eu não nomeie determinados acontecimentos isso levaria a crer que eles não existem, não é mesmo?

Deletando palavras do meu léxico.

sexta-feira, maio 21, 2010

Desengano

Com este olhar circunspecto, distante do que fora seu,
ele caminha apressado, riscando o chão encerado com os seus sapatos de solado de borracha. As mãos trêmulas deslizam pelos cabelos grisalhos, emaranhados pela confusão.
No canto da boca um risco de sangue, no braço flácido, as marcas das unhas – quebradas com tanta gana e violência – ainda estão frescas.
O sangue ainda está vivo, vermelho.
Escorrendo.

Passos trôpegos no lado de fora. Na sala de jantar, as janelas estão cerradas iguais ao punho de Suzano que violentara os olhos, o corpo, a alma de Amélia.
Estendida, despedaçada em cada canto da casa.
Na gaveta de roupas íntimas, na cozinha dentro dos armários, no feijão que permanecia dentro da panela de pressão.

Olhos esbugalhados fitavam o corpo avulso estirado. Avulsa!, bradava entre dentes trincados.
Correu até o quarto do casal. Revirou a bolsa da mulher e, misturado a contas de luz e de gás, tirou o envelope cheirando a perfume vagabundo. Vagabunda!, internalizou soando frio.
Com o lenço manchado de sangue, limpou a testa úmida marcada por grossas linhas de preocupação. Linhas da imoralidade...

Leu com acidez aquelas linhas escritas por Amélia, a qual enfrentou os falatórios dos amigos e sua própria (in)consciência: largou os filhos  e a estabilidade conjugal que lhe mantinha frívola. Largou a vida das regalias pretensiosas. Negou suas próprias convicções.

Suzano. Homem honesto, injustiçado pelas mazelas de uma vida interiorana...
Suzano. Honesto, pueril. Que vez e outra cercava-lhe de atitudes fraternas. Quase um pai! Uma menina, a pequena Amélia.

Avulsa, agora, estendida no chão da sala. Pescoço marcado das angústias e desconfianças. Olhos marcados dos murros, molhados de desamor.

Os passos lá de fora deram meia volta. Eram de Emannuel, o marido abandonado, covarde. Não tivera forças nem coragem de arrancar Amélia dos braços de Suzano. Vira tudo da janela dos fundos da cozinha que permanecera aberta. Não tivera coragem e aos soluços cambaleou para a casa.

Amélia estirada ao chão, agora, avulsa por inteiro.

quarta-feira, maio 19, 2010

Transbordar

Não penso, de todo modo, ter perdido as palavras, ter perdido minha criatividade. O acúmulo de ideias e impressões não resolutas faz com que o mar das emoções serenem - já que são inúmeras as perspectivas. Nesse instante, tudo que vem à tona não marca o papel timbrado. Palavras e criatividade e ideias, em perfeita sintonia apesar das ironias da maré baixa, mantêm-se afastadas, avistando de longe as sofreguidões dessa passagem, dessa rima mal elaborada. Afastadas estão e assim permanecerão até que estejam refeitas, reformuladas, repensadas. Porque tudo em mim precisa ser visto com atenção, precisa ser tocado com sutileza, precisa ser esculpido com emoção.

segunda-feira, abril 26, 2010

A espera de uma reconciliação

São seis horas da manhã e ainda estou acordada. Lá fora o dia está amanhecendo. Com um pouco de dificuldade, encoberto por nuvens carregadas, os primeiros raios de sol tentam iluminar o céu, que, nesta noite - quase manhã - está desacompanhado das estrelas.
Janelas no prédio ao lado fazem barulho. Olhos que se abrem com o mesmo desejo de permanecerem fechados não são meus. Os meus acompanham atentamente os passos no andar de cima. Hora o menino corre para tomar o seu leite, hora corre para não perder a condução. 
Os meus passos estão cansados. Prontos para mais um amanhecer na solidão de uma cama vazia, num quarto frio, acompanhada, apenas, por uma linha não preenchida. Por um nome que não posso marcar. Não é mais meu. Por dois passos que tentarei dar amanhã...
Porque o novo dia só começa, para mim, quando o outro termina com o fechar dos olhos meus. E, esse dia insone terá um pouco mais de duração. Até que meus olhos estejam cansados de tanto te esperar.

domingo, abril 11, 2010

Domingo no Sertão

Para alguns, domingo tem cheiro de preguiça, de um descanso exagerado. Para mim, domingo tem cheiro de saudade, de uma melancolia, que torcendo muito, só se arrasta até a próxima quinta-feira. Lembro-me de que na meninice o domingo era sempre o dia mais esperado na semana. A casa cheia, comida em excesso cozinhando no fogão à lenha, crianças correndo soltas pelos cantos da casa – meus nove irmãos -, vizinhas trocando receitas de fim de semana, o cheiro do feijão na panela de ferro e o cheiro do fumo misturado a uma colônia forte de menta que papai usava.
Domingo tem cheiro de bagunça, de risadas altas, de família reunida - de brigas. Mas em casa, na hora do almoço, papai rogava aos céus em silêncio uma prece que só ele sabia de cor, mamãe fechava os olhos, submissa, e compadecia-se sei lá bem com o quê. O silêncio era o nosso companheiro na hora das refeições. Seu Nicanor não permitia um ruído sequer, dizia que aquele momento deveria ser preservado, aproveitado e admirado em silêncio. Comida era sagrada lá na nossa choça. Podia faltar o que fosse, podíamos não ter mais velas nem pilha para ouvir no rádio as tragédias de nosso sofrido Sertão, mas papai não deixava que nos faltasse uma refeição que fosse. Mesa comprida ocupava praticamente todo o espaço da sala, e ali ficavam as comidas bem feitas, bem temperadas e cozidas por minha mãe, Sebastiana.
Domingo tem cheiro de feijoada, tem cheiro de silêncio, tem melancolia, tem saudades de minha terra querida.
            Depois do almoço os filhos mais velhos ajudavam a mãe com as louças, enquanto os outros se distraíam brincando na rede no lado de fora. Eu não ajudava nem brincava. Era a quinta filha, o quinto degrau dos irmãos. Não era velha o suficiente para lidar com a louça nem nova o bastante para brincar na rede. Sentava-me no degrau da porta e observava, mais a frente, meu velho Nicanor postado em sua cadeira de balanço com o olhar fixo não sei onde, as mãos cruzadas sobre o peito magro, porém forte, e no canto da boca o fumo apagado, seu enfeite, sua única regalia, sua única extravagância.
            Quando a cozinha já estava impecável, mamãe não descansava, contudo. Varria a frente da casa, aquele piso sem cor, gelado que cheio de areia a irritava. Papai fingia nem perceber sua inquietude, pigarreava a garganta e mais fixo ainda penetrava seu olhar passando a cerca, passando as árvores que ainda restavam, passando as nuvens, passando o horizonte.
            Domingo. Ah, os domingos de meu Sertão. Ainda sinto o cheiro do fumo molhado, do feijão cozinhando na panela de pressão, da lavanda de seu Nicanor, do silêncio. Oração sem pressa que nos conduzira durante tanto tempo a uma mesa farta, a um carinho sem apego nem afago mas sentido dentro de nossos corações. Ah, meu Sertão de tantas mazelas e sofreguidão. De tanta seca e insolação. De tanto cheiro de amor, cheiro de domingo de fé, cheiro da saudade de um tempo que nunca mais voltou. Ah, meu Sertão.

quinta-feira, abril 01, 2010

Um pedido

                                             (À ., que o passado não seja apenas uma sombra na qual te acomodes em apenas sobreviver à margem dela.)

Dizem que o tempo é o melhor dos remédios, mas em teus olhos, anuviados de mágoas passadas, é apenas a sombra daquilo que sobrou; daquilo que hoje faz parte de ti. Tão calejada, tão amarga. Tão azeda e tão segura de si!

O tempo te fez aprender na marra a respirar todos os dias, a embalar o teu filho e colocá-lo no berço sozinho, sozinha; com todo o peso do mundo nas costas... E é por causa do tempo que as sombras do que já se foi resolveram despertar das cinzas de um amor que se queimou. Tão sofrido!

“Desperte, Coragem!” - soou como uma gota de lágrima de que há muito lhe fora extirpada de tua alma.

Reascenda as chamas do amor e arranque de uma vez por todas essa armadura de que te vestes. Já não há mais motivos para fugir e fingir ser quem não és. A dor tomou conta do teu coração, bem o sei, mas ande! reaja! Contudo, antes de qualquer coisa: perdoe-se. A vida precisa de um recomeço, uma segunda chance, e o tempo de dor precisa ser deixado no que já se foi.

sábado, março 13, 2010

Testemunho no guardanapo de papel


Quero sentir – sempre. Qualquer que seja sensação. (Eu suplico por sentí-la.) Seja quando acordada ou quando dormindo. Não me importa. Não importa se faça doer e chorar ou se faça sorrir e ainda sim chorar. Quero sentir. Sentir. Sentir. Sentir. Engulo três doses de uma vez só. Sem dó. 

É isso que me mantém viva. É o sentimento que me adormece, que me sacode, e ainda me faz pousar quando nas nuvens dos pensamentos estou burlando meu próprio sentir.
Quero sentir durante as vinte e quatro horas dos dias. (E ponto final.) Respiro aliviada: estou, de fato, viva.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Uma conversa

O que dizer quando o coração absurdamente aos pulos dentro de si está?
- Te amo!- resmungou-lhe baixinho.

E um mundo novo de sensações intermináveis e inigualáveis floriu dentro dela. Que sentimento então (pergunto eu), era esse tão pulsante, tão vibrante que fez brotar arrepios na pele dourada?

- Isso é paz. - Deus cochichou para mim, num beijar da brisa fresca sob um céu querendo se estrelar, ao lado de um amor inconfundível - homérico - querendo se achegar. Ai, o amor. Quem dera fosse meu - e inconformado escondi-me novamente atrás da mais velha árvore daquele parque mal iluminado.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Depois de tantos anos novamente me vejo deitada sobre o mesmo sofá velho e encardido e sobre a barriga, que sobe e desce acompanhando lentamente a respiração descansada, um livro fechado de páginas amarelas. Amarelas iguais aos últimos sorrisos dados por mim. E sabe-se lá o porquê disso, mas a sensação de solidão volta a embargar a voz e a preencher o coração de um vazio latejante, pulsante e acomodado. Acomodação esta que era costumeira, amiga e despretensiosa, mas que hoje está ardendo tanto aqui dentro como a chama da vela que horas parece se definhar ao soprar do vento, mas que de repente se acende brutal e intensamente, voltando a queimar e arder tudo outra vez. Sem piedade, sem apego, fatalmente, porém.