ele caminha apressado, riscando o chão encerado com os seus sapatos de solado de borracha. As mãos trêmulas deslizam pelos cabelos grisalhos, emaranhados pela confusão.
No canto da boca um risco de sangue, no braço flácido, as marcas das unhas – quebradas com tanta gana e violência – ainda estão frescas.
O sangue ainda está vivo, vermelho.
Escorrendo.
Passos trôpegos no lado de fora. Na sala de jantar, as janelas estão cerradas iguais ao punho de Suzano que violentara os olhos, o corpo, a alma de Amélia.
Estendida, despedaçada em cada canto da casa.
Na gaveta de roupas íntimas, na cozinha dentro dos armários, no feijão que permanecia dentro da panela de pressão.
Olhos esbugalhados fitavam o corpo avulso estirado. Avulsa!, bradava entre dentes trincados.
Correu até o quarto do casal. Revirou a bolsa da mulher e, misturado a contas de luz e de gás, tirou o envelope cheirando a perfume vagabundo. Vagabunda!, internalizou soando frio.
Com o lenço manchado de sangue, limpou a testa úmida marcada por grossas linhas de preocupação. Linhas da imoralidade...
Leu com acidez aquelas linhas escritas por Amélia, a qual enfrentou os falatórios dos amigos e sua própria (in)consciência: largou os filhos e a estabilidade conjugal que lhe mantinha frívola. Largou a vida das regalias pretensiosas. Negou suas próprias convicções.
Suzano. Homem honesto, injustiçado pelas mazelas de uma vida interiorana...
Suzano. Honesto, pueril. Que vez e outra cercava-lhe de atitudes fraternas. Quase um pai! Uma menina, a pequena Amélia.
Avulsa, agora, estendida no chão da sala. Pescoço marcado das angústias e desconfianças. Olhos marcados dos murros, molhados de desamor.
Os passos lá de fora deram meia volta. Eram de Emannuel, o marido abandonado, covarde. Não tivera forças nem coragem de arrancar Amélia dos braços de Suzano. Vira tudo da janela dos fundos da cozinha que permanecera aberta. Não tivera coragem e aos soluços cambaleou para a casa.
Amélia estirada ao chão, agora, avulsa por inteiro.