Sentada em posição de alerta, ereta como um trem que já partira. E da estação ninguém lhe acenava. Ninguém estendia o braço e balançava a mão num gesto de respeito, de dor, de saudade. Ninguém. O lenço branco fora jogado inutilmente pela janela do trem. Bailou por alguns instantes no ar e caiu lenta e suavemente ao chão. Aos pés de ninguém que ali estava e interessava. Ninguém pegou o lenço no desejo ímpeto de tê-la consigo. De ter, ainda que em um pedaço de pano, seu cheiro suave de manhã, sua pele macia e cuidada. Ninguém fora até a estação, ninguém acenou e jogou-lhe um beijo saído da palma da mão grossa cheirando a loção de barba. A viagem era o passo mais impreciso e longo que ela dera depois do acontecido. A rosa, flor que lhe despertara a vontade de viver, estava guardada em um embrulho de seda, dentro de sua bolsa de mão. Não quisera deixá-la em sua antiga casa. Não quisera que ninguém não cuidasse de suas pétalas, nem sentisse seu doce perfume pela manhã. Quisera tê-la consigo igual a uma mãe quer ter sobre seu colo o filho recém tirado do ventre. Quisera protegê-la, cuidar de seus espinhos e assegurar-se de que teria água o suficiente para respirar.
Quisera fazer de si o cuidado que precisaria ter consigo depois do tapinha nas costas. Quisera ocultar as palavras nunca, desde então, pronunciadas, mas que na ânsia escondida de um desejo árduo de seguir em frente, precisavam ser ditas. Pronunciadas em uma conversa amistosa, uma conversa desprovida de sentido lógico. Palavra jogada no vento morno que entreva pela janela da sala e enchia a casa de uma tranquilidade imparcial, tímida e sem restrição. Jogada no desejo de que quem fosse seu ouvido a captasse, ingerisse mas não a saboreasse de primeira. Desejara que permanecesse um pouco em seu estômago, pesando como a feijoada do almoço daquele dia. Desejara ser tão intensa e desprovida de qualquer comodidade alheia que a fizesse sentir o gosto amargo da inveja passageira. Desprovida de medo. Do temor de ser apenas única e assim, mesmo que única, ser bela e esperançosa como aquela rosa. Uma simples mudança de sentido, de direção, de percepção fez com que ela sentisse que a mudança, tão fortemente desejada pela razão alheia, a tomasse de súbito; como um desejo enorme de uma sede absurdamente palpável no sertão de um canto qualquer.
Sertão. Era para lá que iria. Sentir a necessidade contida e impaciente de se ter nos lábios uma única gota de água. Sentir a necessidade de viver desesperadamente o brilho das horas matinais, de arrumar os cabelos sem temer que, fio por fio, despenque tapando-lhe a visão mais sensata e real que tivera. De sentar-se em um banco de praça sentindo o cheiro de grama molhada sem preocupar-se com os sapatos sujos da terra argilosa. Sentir o vento úmido que pronunciara mais uma noite de inundações. Inundando-se sem esperar o alerta vindo de um sorriso apreensivo, no desejo de reter toda sua intensidade presa em divagações tão suas... Tão únicas. Lembrar-se dos sorrisos e rir deles por saber que agora, mais do que nunca, se está bem. Estou, sincera e inteiramente, bem – aos gritos no sertão de areias finas qualquer. Correndo apressada; apressada por chegar a lugar algum, apressada soltando gritos que estiveram mudos naquele quarto de hospital. Soltando gritos na exatidão dos dias sem demora. Da noite que chega e não mais apavora. Do frio que sentiu sua mão do lado de fora da janela do trem. Do lenço branco jogado aos pés de ninguém. Única e tão complacente de sua existência significante para si, agora.