sozinha em casa, nenhum aparelho de som ou televisão ligados; saindo do banho, ecoou no vazio das minhas lembranças um assovio familiar. música assoviada de quem teve o dia longo e cansativo, de quem ouve uns bons bocados de palavras rudes em sua direção e responde com amor, responde com assovios ritmados.de quem é maior do que qualquer rancor. de quem aprendeu a lidar com a vida, a cuidar da renca de irmãos e ainda, sim, ter tempo para nós; assovios de elis, de titãs, de santiago e um em particular: ivan lins
ele ecoando assovios únicos da sala, a irmã mais velha, da cozinha, cantarolando boemiamente cada virgula. várias vezes o disco no repeat, até que eu, lá do quarto, na parte superior da casa pudesse cantar maquinalmente a mesma melodia:
"eu limpei minha vida
te tirei do meu corpo
te tirei das estranhas
fiz um tipo de aborto
e por fim nosso caso acabou
está morto
jogue a cópia da chave
por debaixo da porta
que é para não ter motivo
de pensar numa volta
fique junto dos seus
boa sorte, adeus"
ele se foi. foram-se voz, pulmão, córnea, tímpano, rim, baço, coração.
permaneceu o eco dos seus assovios em mim que, timidamente, fecho os olhos como que em prece para poder ouvi-lo soprar amor em melodias que me acompanharão sempre sempre sempre.