Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

sábado, maio 28, 2016

como quem partiu ou morreu

                              para Pedro Mascarenhas

tem vezes que a gente sente
e sente tanto às vezes
que o peso aumenta de tamanho
e a gente só quer sentar
desamarrar as botas
tirá-las dos pés e se jogar
no chão mesmo
onde for onde o corpo cair
e ele cai
peso morto
estrondo abafado pelos gritos da rua
o mundo anda amargo demais
e a gente não dá conta
é chá de boldo
é chá de maçã
que até se põe açúcar
mas tudo cai com estupidez no estômago
um soco um chute uma facada um tiro a queima roupa
e o corpo cai
tonto desamparado doído
ali mesmo no banheiro
e de repente tudo aquieta
nem vento nas folhas das árvores
o corpo só quer ficar uns dias ali
esquecido no chão frio e úmido do banheiro
deixa-o quieto, por favor, espaço
mas vez em quando abre a porta
e te senta ali
só um pouquinho de cada vez
só quietinho 
que eu também preciso

para ouvir: roda viva, inevitável pr'esses dias.

domingo, abril 24, 2016

ouro incenso e mirra

percebe
a madruga esparrama a solidão
pelos sofás e móveis da sala
cada canto de poeira adormecida
conta uma história interrompida
cada verso ganha nova pausa e lágrima
percebe

a madrugada insone recorda teu nome e sorri em paz

sábado, abril 09, 2016

vermelho-chão

as mãos grifam em vermelho
o correspondido presente:
sempre fora tudo
no que a mim coube ser
a urgência em declamar
o verde das palmeiras
sucumbe à necessidade
de subjugar o óbito das vontades
plenas todas já desguarnecidas
no rompante tempo
danem-se as horas perdidas
entre os carros que nunca mais
voltaram pela rua de trás
dancem os pés agora nus
agora soltos sobre o piso aderente
agora hoje no vermelho-chão
da tua palavra    mulher

sábado, abril 02, 2016

dércio


comovida a mente cheia
como anda a saudade tanta
em volta das certezas
diluídas no pranto do mar
sem mais tempo para voltar
77 tudo fosse                          
quem um dia eu ei
de encarar e me perder outra vez?
e se o sonho fosse pouco
e a vontade absoluta extinguisse
no mais bonito vaso de flores 
que não plantei na tua janela?
qual o preço da noite descabida
em que o cigarro aceso morre
na boca da tua fome sem nome?
essa voz sem apelo
esse punhado de vida sem zelo
tudo dorme acostumado já sem mais segredo


ao som de Dércio Marques

quinta-feira, março 31, 2016

juntando os pedaços do tempo



(...) Eu procurava, com uma vela acesa,
O feto original, de onde decorrem
Todas essas moléculas que morrem
Nas transubstanciações da Natureza.
(Augusto dos Anjos, 1900-1914)


sempre senti
a ausência familiar das coisas em mim
estrangeira
na minha própria existência

parece que não sou mais capaz
não sou mais capaz de sentir nada

basta uma fração de segundo –
veja como tudo soa banal no dia de hoje, querida –
basta uma fração de segundo e a gente deixa de existir
para todo o sempre-aqui