Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Como prece



Todas às noites, enquanto o barulho do motor dos carros na rua parecem ter diminuído o seu ritmo e sua frequência; enquanto estamos sentadas na sala, assistindo ao telejornal local; enquanto o sol já está adormecido há um bom tempo e em todos os apartamentos vizinhos só há o som ameno das televisões ligadas; todas às noites, sentadas, uma ao lado da outra, ela observa minha cicatriz. Observa-a apertando seus astigmáticos olhos cor-de-mel. Analisa-a como quem ganhou, por duas vezes consecutivas, o primeiro lugar no assunto “observação e análise diária de cicatrizes do filho caçula, parte 01”. Examina-a minunciosamente, medindo-a entre os dedos polegar e indicador como a mesma exatidão de uma costureira habilidosa que de centímetro a centímetro cosesse seu vestido mais precioso. Verifica-a como se fosse uma espécie de perita no assunto, cutucando cada ponto recebido na pele abatida pela falta de sol, como quem a cada toque com o seu dedo abençoado rezasse de conta em conta ave-maria e pai-nosso com o mesmo fervor de quem presenciou um milagre e não pode contar para quem quer que seja.
De oração em oração, diz, ainda com a minha cicatriz entre seus enrugados dedos polegar e indicar, diz: amanhã estaremos rindo disso tudo – e, dito isso, o telejornal local passou a ser alvo de nossa atenção outra vez.