Talvez, hoje o sono venha
me fazer companhia antes mesmo
de eu te ver chegar, assim,
como quem não quer fazer barulho,
como quem não quer ser descoberto.
Sorrateiro...
E eu me deito cedo,
fingindo ter sono,
fechando os olhos marejados.
Mas te vi chegar - como em outras noites –
mansinho, trancando a respiração
para não ser notado, não ser pego no flagra
em plena madrugada fria.
Em meio aos prantos de dor:
todos mudos, secos.
Cegos...
E te senti chegar encostando de leve
o pé frio no meu, fingindo,
fingindo estar ali antes de mim.
De olhos fechados
chorei baixinho.
Sem nem fazer barulho,
sem nem manchar o rosto com
tanta dor imunda.
Chorei baixinho
até o sono aparecer.
E acordei antes do amanhecer
fazendo de conta que
tudo estava normal
- inclusive, esse gosto ruim que
amarga a boca e
sorri amarelo para as inverdades
em que finjo acreditar.
Nas mentiras em que finjo contar.
E amanhã, novamente,
irei dormir cedinho.
Fingindo acreditar que um dia,
quem sabe, alguma verdade seja dita.