Outro dia, ouvi uns gritos. Gritos de socorro, de desespero e dor. Larguei o que estava fazendo e saí em disparada, tropeçando nos móveis no meio da sala. Cheguei na porta de seu quarto e ele continuava gritando, já com a voz quase abafada, como se alguém o sufocasse. Implorava para que esse monstro terrível parasse de atormentá-lo, de sufocá-lo. Percebi que estava sendo sufocado pelas mãos trêmulas que tentavam tirar qualquer coisa que envolvesse seu pescoço.
Assustada, acendi a luz. Como se com a luz acesa todo o pavor fosse embora, dando lugar somente para a paz e para a tranquilidade.
Em seguida, ele abriu os olhos. Num passe de mágica, o quarto iluminado trouxe-o de volta para sua realidade. Estava com os olhos arregalados, o peito subia e descia bruscamente, mãos e pernas agitadas - lembro-me do pavor que senti, do medo que abraçou-me por trás arrepiando minha nuca. Contou-me de seu pesadelo, havia, de fato, alguém o sufocando. Estava cansado, parecia que realmente tinha lutado para se manter vivo, sóbrio. Disse-lhe, segurando as lágrimas e as mãos frias contra meu peito, disse-lhe que, agora, tudo estava bem novamente e lhe ofereci um sorvete, o qual imediatamente foi devorado.
Os papéis, naquele instante, foram invertidos. Eu precisava manter o controle da situação, afugentar seus medos e receios diante da morte previsível e aterrorizadora. Dei-lhe sorvete como se eu fosse a mãe. Mãe zelosa, mas que subitamente não soube o que fazer a não ser alegrá-lo com o gosto gelado de meu amor. E havia amor ali. Mais do que geralmente cabe em mim.
Respiração controlada, mãos novamente repousadas sobre o corpo enfraquecido. Tudo estava tranquilo outra vez. Mas ao sair ele me disse de olhos fechados: por favor, só não me deixe sozinho, não feche a porta.
E ele não está. Não está. Estarei ali para quando os sonhos intranquilos reaparecerem. Estarei ali com o seu sorvete preferido. Porém, desta vez, espantarei seus monstros com o abraço mais zeloso e reconfortador que há em mim. Nem que seja pela única vez.
E ele não está. Não está. Estarei ali para quando os sonhos intranquilos reaparecerem. Estarei ali com o seu sorvete preferido. Porém, desta vez, espantarei seus monstros com o abraço mais zeloso e reconfortador que há em mim. Nem que seja pela única vez.