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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

quinta-feira, setembro 15, 2011

A MORTE É UMA FARSA


Abriu a janela do quarto. Olhou para o céu e para o asfalto. Calculou a altura; previu que a queda não seria instantaneamente fatal. Irritou-se com tamanho azar - já não bastasse viver às custas da mamãezinha, estropiando-se daquela alturinha ela acabaria por limpar-lhe a bunda. Seria demais. Mais esta humilhação e ele poderia extinguir o mundo somente com a força do seu ódio e frustração. Não!
Subiu alguns lances de escada e já estava no telhado do prédio. Por tamanha euforia, não percebeu o quanto de andares subiu até atingir o desejado. Estava muito determinado em fazer o que queria fazer. Chegando ao telhado, olhou para baixo, calculou a altura mais velocidade mais peso do seu corpo tudo isso multiplicando-se à gravidade. Estava perfeito. Não haveria meio termo dessa vez, pensou. Subiu na mureta do telhado, abriu os braços com extremo gozo e, sorrindo, mergulhou nas nuvens. Flutuou não mais que vinte segundos e logo pôde se ouvir o estrondo. 


 §

Acordou com dor de cabeça, como se tivesse levado uma grande pancada. Sorriu apesar de. Sua queda foi um sucesso, pensou orgulhoso de si e de sua Física quase que profética desde os tempos de faculdade.
Passado o primeiro momento de excitação, algo, porém, lhe parecia incoerente. Tocou em seu corpo, apertou os seus braços, levou a mão à cabeça e pôde sentir o sangue manchar a ponta dos dedos. Mas como?! – bradou espantado. Olhou ao redor. Viu a multidão em círculo à beira da calçada. O que estariam vendo? Também queria saber. Tentou olhar por cima dos ombros de algumas pessoas, sem sucesso, empurrou um ou dois homens que pareciam transtornados com algo. Empurrou-os, porém, estes nem se mexeram.
Sem saber o que estava acontecendo, pensando em como dois corpos poderiam ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, embora soubesse que isso fosse fisicamente impossível, chocou-se com o que vira. Um homem estava estirado ao chão. Os braços e pernas lhe pareciam deslocados do corpo. Sentiu as dores, como se pudesse ser solidário ao sofrimento alheio pela primeira vez em sua vida.
Sentiu suas pernas sem forças, molengas. Desabou. Preocupado e aflito, pois ninguém lhe socorria do que julgara ser um mau súbito, arrastou-se até o homem deitado imóvel na calçada. Aproximou-se um pouco mais e virou-lhe a cabeça para si. Foi então que, em desespero, reconheceu aquele rosto mergulhado em grande poça de sangue. Reconheceu-se. Era ele aquele homem. Mas como? - bradou com os olhos arregalados. Mas como?????! Berrou novamente e ninguém lhe respondeu.
Atravessou a multidão. Tentava sacudir as pessoas, mas elas não o sentiam. MAS COMO?!!! Desesperou-se ainda mais. Sabia que isto era impossível. Deveria estar louco. Como poderia estar ele no chão, morto, ao mesmo tempo em que se sentia vivo? Tão vivo que era capaz de sangrar, de doer-se. Como seus cálculos não deram certo? Como ele pôde suportar a queda de mais de trinta andares a cima do chão?? Desesperado e com dor insuportável, começou a sentir forte tontura, falta de ar... desmaiou.
 §

A ambulância chegou ao local seguida por um carro da polícia e outro do IML. Recolheram o corpo. E alguns depoimentos e evacuaram o lugar. O circo foi desmontado. A faxineira do prédio, com muita dificuldade e um tanto de lágrimas nos olhos, tentou limpar a calçada imunda de vermelho. Poucas horas depois, a rotina na Avenida Paulista retornou à normalidade.