Tem
manhãs que nem bem abro os olhos e já penso nele. Penso com saudade e sinto até
o cheiro do seu cigarro invadir meu quarto e penetrar em minhas cobertas.
Levanto-me da cama num pulo e percorro a casa indo ao seu encontro. Mas não o
vejo. Penso que ainda é bem cedo e que ele já foi trabalhar. Olho as horas e
vejo a mesa do almoço recém-posta. Não era tão cedo como imaginei. Olho-me no
espelho numa segunda tentativa de perceber que o tempo não passou. Engano-me
novamente e volto para a cama com frio e desanimada.
Tem
dias que é impossível não lamentar o ocorrido, não deixar o desânimo me
embrulhar nas cobertas pesadas e me afundar no colchão. Tem dias que tudo dói
com tanta agressividade que deixar o ar entrar no pulmão é desconfortante, é
fatal. Tudo sufoca e me faz engasgar. É como se eu não pudesse ter mais nada
dentro de mim além desse imenso vazio, porque já me sinto cheia. Como se eu só conseguisse deixar sair esse ar
que me angustia noite-dia, que é para ter mais espaço para essa parte que me
falta ao mesmo tempo em que transborda em imensa e profunda saudade e mórbida
melancolia. Como se eu não tivesse mais voz nem batimento cardíaco; tudo o que
me restou causa dor, me deixa tonta, me faz morrer. Tudo que me restou é luto.
Volto
a sentir o cheiro do seu cigarro em meu quarto e em meus cabelos e, como antes,
fico brava porque eles estavam limpos, mas rio de pronto, porque é sinal de que
ele ainda está aqui, embora minha intuição mística não quisesse que desse jeito
fosse. Não quisesse que desse corpo não me fosse possível enxergar, não com o
cigarro entre os dedos..., mas tranco a respiração e aguço meus ouvidos para
ouvir seus pés de seda deslizarem sobre o piso de madeira – com o tempo,
tornei-me especialista em quietude que é para não perder cada sentir de seus
movimentos. Sinto mais frio e cada vez menos fome; logo volto a dormir um sono
profundo e cansado.
Sonho
com algo que aconteceu meses atrás. Ele havia pedido minha atenção de
madrugada, queria seus cigarros (sempre eles, malditos!) e um copo d’água.
Ficamos na cozinha, ele sentado, desequilibrante e eu ao seu lado aquecendo suas
costas raquíticas. Em meio alguns gemidos de dor e de esgotamento, ele se
lembra de uma notícia lida no jornal dias atrás. Era um livro de história sobre
a segunda grande guerra, o qual qualquer assinante poderia recebê-lo em casa.
Ele disse que gostaria de me dar e que havia pensado nisso o dia inteiro
enquanto ficava deitado em sua cama, no seu quarto escuro. Disse que daria um
jeito de me dar, mesmo com a grana curta ele faria a ligação e encomendaria o
livro. Na noite seguinte ele precisou ser internado e nunca mais tocamos nesse
assunto, nunca mais deu tempo de discar os números do jornal. Nunca mais quis
dissecar a vida mesquinha de Eva Braun.