Quem sou eu

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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

segunda-feira, dezembro 31, 2012

Ode aos vegetais - em tempos de fast (die) food


Sou a pessoa
Que mais ama os vegetais
No mundo inteiro:
Nutro tamanha adoração por eles
Que jamais, sequer,
Tenho coragem de devorá-los
E, sumariamente, transformá-los
Em desprezíveis e fétidas pastas fecais, no momento derradeiro.
Contemplo-os como a todos os poetas
Que louvam suas musas diáfanas: a meio palmo de distância.

*
O poeta canta em linhas aquilo que em dias não pode ser. Canta a vontade empírica de ser o que nem de longe se parece, mesmo não tendo atributos fortes para sê-lo. Eis, então, a grande beleza em poetar. Pois se é: sendo ou não, se é.

Luto

Em tempos de Ressurreição,
[Como quem não sabe se acende uma vela
Ou fecha os olhos em meio à escuridão da celebração]

Em tempos de glorificação à vida,
Algo - coisa essa
Habitante da camada mais profunda do meu ser -
Acaba de disparar o último suspiro.

O último e tão mais agoniante sopro de qualquer coisa
Para o qual, ainda, nome algum foi destinado,
Mas que, de mim, com toda ordem de importância,
Desprende-se

Sem temer qualquer céu ou inferno pela frente.
Apenas foi.
Entoando adeus e
Bendizendo os lampejos de qualquer carta marcada;

Apenas foi, sem culpa
Esquartejado por uma foice mística;
Sem negar os predizeres dos sábios matutos:
- Basta estar vivo para se morrer, enfim.

sábado, dezembro 29, 2012

Não há gentileza maior
Do que ter estendida mão na sua direção
Quando a dor lhe contorce o corpo.
Não há prova de compaixão maior
Do que ter mãos firmes a que se agarrar.

sexta-feira, dezembro 28, 2012

Um catalisador
Que não catalise mais
A imensa dor da Aurora.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Poetar: o estímulo maior da vida

Reconhece-se de longe um poeta
Mesmo que verso algum
Tenha sido entoado por ele

Reconhece-se a alma do poeta
A rima, o ritmo genuínos
Do intenso e contraditório ser
Que dá vida à vida e
Vida à morte

Reconhece-se de longe o poeta
Pois que é ele que ao invés de ramos de flores
Presenteia seus amores
Com pequeninos punhados de sementes

Intuitivas doses de vida
Para que sejam elas absorvidas
Pela terra fértil da fé
A qual cada um de nós carrega consigo
Intrinsecamente: a verdadeira alma de ser poeta.

terça-feira, novembro 13, 2012

Racionalizar

Pinta-se
O que se quer pintar
Aprecia-se
Quem e o quê se quer apreciar

Separar joio do trigo
Exercício que poucos estão
Predispostos a praticar.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Lembrete de geladeira

Talvez
isso seja um cala-te boca
Do Universo
Um observe:
A vida é muito mais do que isto!

Tire
Os olhos do próprio umbigo
Olhe a rua pela janela
Vista-se de verde

E se esqueça do juízo
Esqueça o nariz
Esqueça o se
Vai ser feliz.

domingo, novembro 04, 2012

O AR QUE NÃO POSSO MAIS RESPIRAR



Tem manhãs que nem bem abro os olhos e já penso nele. Penso com saudade e sinto até o cheiro do seu cigarro invadir meu quarto e penetrar em minhas cobertas. Levanto-me da cama num pulo e percorro a casa indo ao seu encontro. Mas não o vejo. Penso que ainda é bem cedo e que ele já foi trabalhar. Olho as horas e vejo a mesa do almoço recém-posta. Não era tão cedo como imaginei. Olho-me no espelho numa segunda tentativa de perceber que o tempo não passou. Engano-me novamente e volto para a cama com frio e desanimada.
Tem dias que é impossível não lamentar o ocorrido, não deixar o desânimo me embrulhar nas cobertas pesadas e me afundar no colchão. Tem dias que tudo dói com tanta agressividade que deixar o ar entrar no pulmão é desconfortante, é fatal. Tudo sufoca e me faz engasgar. É como se eu não pudesse ter mais nada dentro de mim além desse imenso vazio, porque já me sinto cheia.  Como se eu só conseguisse deixar sair esse ar que me angustia noite-dia, que é para ter mais espaço para essa parte que me falta ao mesmo tempo em que transborda em imensa e profunda saudade e mórbida melancolia. Como se eu não tivesse mais voz nem batimento cardíaco; tudo o que me restou causa dor, me deixa tonta, me faz morrer. Tudo que me restou é luto.
Volto a sentir o cheiro do seu cigarro em meu quarto e em meus cabelos e, como antes, fico brava porque eles estavam limpos, mas rio de pronto, porque é sinal de que ele ainda está aqui, embora minha intuição mística não quisesse que desse jeito fosse. Não quisesse que desse corpo não me fosse possível enxergar, não com o cigarro entre os dedos..., mas tranco a respiração e aguço meus ouvidos para ouvir seus pés de seda deslizarem sobre o piso de madeira – com o tempo, tornei-me especialista em quietude que é para não perder cada sentir de seus movimentos. Sinto mais frio e cada vez menos fome; logo volto a dormir um sono profundo e cansado.
Sonho com algo que aconteceu meses atrás. Ele havia pedido minha atenção de madrugada, queria seus cigarros (sempre eles, malditos!) e um copo d’água. Ficamos na cozinha, ele sentado, desequilibrante e eu ao seu lado aquecendo suas costas raquíticas. Em meio alguns gemidos de dor e de esgotamento, ele se lembra de uma notícia lida no jornal dias atrás. Era um livro de história sobre a segunda grande guerra, o qual qualquer assinante poderia recebê-lo em casa. Ele disse que gostaria de me dar e que havia pensado nisso o dia inteiro enquanto ficava deitado em sua cama, no seu quarto escuro. Disse que daria um jeito de me dar, mesmo com a grana curta ele faria a ligação e encomendaria o livro. Na noite seguinte ele precisou ser internado e nunca mais tocamos nesse assunto, nunca mais deu tempo de discar os números do jornal. Nunca mais quis dissecar a vida mesquinha de Eva Braun.

segunda-feira, outubro 29, 2012

CANÇÃO DO ESQUECIMENTO



Ressurge em minhas cinzas
O cheiro de antes vida
Um cansaço assombroso
Ao passo de uma morte anunciada.
Eis o script, seguido à risca:

Ressuscitou em mim
As lembranças da vida tenra
Os meninos de casacos brancos
As missas dos domingos santos.
Tudo o que é mais habitual e sacro
Ressurgiu em mim
Uma gota de lágrima seca.

As memórias anunciam o
Esquecimento vindouro.
Feridas, mãos enrugadas e manchadas
Veneram toda minha existência hedionda.
Meu passo desassossegado,
O tilintar dos cristais poéticos e nobres
Em tabernas abafadas e úmidas de álcool.
Contradição da juventude.

A gola da camisa manchada de carmim
A menina dos olhos de santa
Corpo de anjo


Alma de Lúcifer...
Toda estranheza e excitação juvenil,
Hoje, não valem mais do que duas
Lágrimas úmidas no canto do olho...

Estas que escondo
Resvalando os dedos trêmulos
E cansados dos regressos de minha
Passagem terrena.

Evapora de mim agora,
No último suspirar pneumático,
Toda minha vida
Marcada por letras -
Homenagem ao sepulcro das horas.

Toda vida enterrada
No esquecimento da própria vida,
Agora, evapora de mim.

Que seja esta, senão operante,
Mas, ainda, sim, lúcida
A canção do esquecimento das memórias
De minhas lembranças
Acinzentadas pelo carvão incinerado
Da vida passageira.

Que seja feita a passagem.

sábado, outubro 27, 2012

Não culpe os outros
Quando há um desentendimento,
Quando houver hesitação de palavras
E a consequência for o não dito.
Não os culpe.
Há criaturas que precisam
Da comida mastigada
Para que possa ser digerida
Há inocentes que não
Mantêm o corpo ereto, pois
Embora adultos, necessitam
De um suporte, de uma muleta.
Há também muitos
Alunos da escola da vida
Que não absorvem o sentindo
Das orações incompletas;
Não assimilam a terceira pessoa do singular
Quando o referido sujeito
É o próprio locutor.
Não os culpe, deve ser coisa de genética
Ou uma peste viral
Imune à idade, à maturidade,
À instrução acadêmica.
Por tanto, seja paciente, não os culpe!
A maioria de nós
Precisa da fórmula matemática
Exposta no papel
Ou articulada na ponta da língua do professor
Caso contrário não resolverá a equação.
Não dará início à jornada aritmética.
Não culpe os pobres humanos,
Pois somos tantos
E os dizeres imaculados em uma discussão
Ou conversa sincera são os mais prejudicados
Já que não são usufruídos, não são ditos
Ficam revirando-se nas redes neurais,
Aumentando a pulsação sanguínea irritada,
Sobrando as meias palavras
A interpretação incompleta,
Recortada, mal articulada e tramada;
Sobram as descontextualizações verbais,
O enunciado truncado,
O sentido subvertido pelo funcionamento
(ir)racional do interlocutor,
Falta a tal polifonia,
A desconversação metafônica e metafórica.
Não os culpe, pobres humanos!
Há que se fazer um desenho
Da coisa toda não dita
E presentear o companheiro outro
Porque os mortais racionais e incrédulos,
Os que não observam a semiótica do corpo que fala
Sem pronunciar palavra,
Só entenderão o implícito
Quando esse estiver
Nas suas fuças
Como este traçado
Que acabo de esfregar na tua cara.

quarta-feira, outubro 24, 2012

TEOFANIA


Se não era ele
Tudo o que mais eu quisesse ser
Era, então, o meu trato vocal.
Aparelho fonológico
Percursor de entoadas homéricas,
As quais nunca fui capaz de criar.
Do amor platônico
Ao movimento lexical
Existencialmente humano e perspicaz
Do que um dia eu ei de me inventar
Nem que seja no desejo
Sorrateiro e incontrolável de me tornar sua musa.
Sua música.
Se não era ele,
Era eu
E eu nem sabia.