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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

terça-feira, março 26, 2013

mãe

foi dito. teve vômito e por mais que isso me incomode, foi necessário, pois que desobstruiu a passagem para o que deveríamos ter sido. sem hipocrisia, tudo dito foi. sem uma lágrima caída, ainda que a mágoa seja a nossa única ligação, acima dela persiste a raiva; até mesmo rancor. daquilo que não foi resolvido. não por mim; tenho tido inúmeras conversas e conselhos na terapia nesses últimos dez anos. tenho feito minha parte, por isso tenho conseguido deitar a cabeça no travesseiro e dormir. tu também tens dormido. eu tenho te ouvido dormir. volte e meia, na ida ao banheiro, passo pelo teu quarto e te espio o sono pela porta entreaberta. tens dormido e eu me pergunto "como?", como dormir, como fingir essa imparcialidade? como fazer de conta, por tantos e tantos anos, que não há nada fagulhando o peito? a mágoa arruína-nos, mãe. ela perturba; amarra-nos ao passado que já deveria ter sido esquecido. eu quero pontilhar uma trajetória de afeto: comigo, contigo e com a minha infância. no entanto, preciso que tu faças o mesmo: contigo, comigo e pela nossa infância.


ao som de: Doces Bárbaros - eu te amo

terça-feira, março 19, 2013

Mansidão complacente

Um alento
Em meio à madrugada
Fria e escura

Um acalanto de ternura
Pelos olhos escorria
Aquecendo a face mórbida da melancolia

Um carinho recíproco
De quem soluça baixinho
E é completamente capaz de mitificar
O sentimento piedoso e suave
Vindo da imensidão terna da noite

Embora haja o pranto, oriundo das dores e medos adjacentes
Embora o misterioso e conflituoso medo de se perder no infinito das lágrimas...,

Há mansidão complacente
Há beleza na própria e solitária dor
Pois é nela que a fênix da nova chance ressurge
É senão a dor: o trampolim à plenitude consoladora.

sexta-feira, março 15, 2013

À beira do caminho


'Sentado à beira do caminho'
Sou flor, sou espinho
A dor vem do chão
Sou pó, estou sozinho
Não há mais ouvido que aguente
A luta dos que gritam
Não tem mais som nas ruas
Uma guitarra não toca nua
'Sentado à beira do caminho'
Há desistência e pranto
A dor no chão eu não piso
Estou abaixo dela
Onde há pó, espinhos
Onde há o que esquecer.


ao som de Belchior - Tudo outra vez.

terça-feira, março 12, 2013

Rosa branca



Venho lembrando-me de algo que aconteceu tem mais de ano. Aliás, rememorado com frequência já que, na época, não havia percebido a imensa importância e delicadeza presente naquele momento. Foi na missa de sétimo dia do meu pai, a igreja estava cheia, embora não houvéssemos tido tempo nem forças nem dinheiro de publicar no jornal local o dia e hora da missa; avisamos aos mais chegados por telefone.
A catedral estava cheia de gente que eu cresci vendo-os na minha casa em reuniões e festas; também cheia repleta de gente que eu nunca havia visto na vida e que, naquele instante, prestaram sua solidariedade em forma de abraços com imensa ternura e compaixão, mesmo que eles também tinham conhecimento da minha existência; abraçaram-me como quem acolhe um recém-nascido carente, precisando de colo e de todos cuidados especiais. Sinceramente, era assim que eu me sentia, era assim que eu percebia que minha mãe e irmãs também se sentiam..., sentiam-se fora de si, sem chão, inundadas em imenso vazio e solidão; tentando abrir os olhos em meio a clarões da realidade atual, triste e inconformada realidade. Foi confortador o tanto de carinho e atenção que recebemos de pessoas que nem esperávamos, que nem esperávamos conhecer; amizades fortalecidas; amores crescidos sem controle e, isso, foi extremamente fundamental em nossos dias. A compaixão é a grande beleza da humanidade, o “doar-se” nos trouxe de volta ao lugar que não queríamos mas precisaríamos de estar daquele instante em diante.
No meio de tudo isso, de solitário e solidário, encontra-se a passagem que muito venho recordando; exatamente, ocorreu no final daquela longa e lacrimosa missa quando as pessoas faziam fila para dar as condolências à família em luto. Como disse antes, estávamos amparadas por queridos nossos, mesmo assim não impediu que quiséssemos pertencer a outro lugar que não aquele. Um gosto áspero e mórbido estarmos todos reunidos por motivo tão fúnebre e desolador. A dor da perda, embora passem os dias..., os anos, não têm lamento que finde, não tem recordação que não esteja acompanhada por recorrentes e incontáveis pares de lágrimas. A dor pode estancar, endurecer, no entanto, jamais esgotar; a dor estará sempre ali, quente e aconchegada nos dois átrios e dois ventrículos do coração humano.
Voltando à atenção para aquele final de missa, lembro-me claramente de que na fila, em meios aos muitos rostos conhecidos teve um que particularmente me chamou a atenção. Mantinha-se serena, com as mãos entrelaçadas perto do peito e, nelas, uma rosa branca. Uma única rosa branca. Aberta, branquinha, branquinha... Fechei meu olhos e pude sentir o seu perfume de longe e ali fiquei, num breve fechar de olhos como se a eternidade também me acompanhasse. O rosto docemente gentil e conhecido ofertou a rosa para a minha mãe, acompanhado de um longo e silencioso abraço em sinal de profunda e respeitosa solidariedade.
Ali, naquele instante, pairou gostosa brisa e, pela primeira vez, pude ouvir os sinos da igreja badalarem uma comovente e dolorosa e rasgada canção em nome do nosso último adeus a ele. Ali, em meio aos bancos da igreja movimentada, desapeguei-me de toda inconformidade e da raiva que sentia de Deus por tê-lo levado, como se a compaixão de Maria – personificada no rosto dócil e na rosa branca –, em mim, houvesse tocado. 

 aos sons de Montenegro.

segunda-feira, março 04, 2013

A saudade é como uma sombra em noites claras



Não tem mais jeito.  Já juntei os cacos que deixastes pelo chão e sempre tem um que me escapa aos olhos e fura o pé. Não tem mais jeito. Sempre vai existir a tua falta e que de tão silenciosa fura o coração da gente que ficou aqui, na sala vazia para arrumar a bagunça que tu deixastes ao sair batendo a porta atrás de si. Sempre tem um cinzeiro escondido, tímido, querendo espaço na cômoda. Sempre tem a tua gaveta vazia e nela transbordam tuas lembranças, as boas e as ruins - que também foram muitas. Não tem mais jeito. Não tem coração que não aperte em soluço, um dia e outro, bendizendo a tua partida, disfarçando a cara inchada da manhã por causa do choro da noite passada. Não tem um dia que passe batido a tua lembrança. Não tem mais jeito. É tanta dor no peito que não tem mais linha que dê conta. 

Ao som de: Zeca Baleiro - bicho de sete cabeças.