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- O que escrevo? Não sei. Só sei que minha alma grita e eu já não posso mais abafar nem conter essa ânsia.

terça-feira, março 12, 2013

Rosa branca



Venho lembrando-me de algo que aconteceu tem mais de ano. Aliás, rememorado com frequência já que, na época, não havia percebido a imensa importância e delicadeza presente naquele momento. Foi na missa de sétimo dia do meu pai, a igreja estava cheia, embora não houvéssemos tido tempo nem forças nem dinheiro de publicar no jornal local o dia e hora da missa; avisamos aos mais chegados por telefone.
A catedral estava cheia de gente que eu cresci vendo-os na minha casa em reuniões e festas; também cheia repleta de gente que eu nunca havia visto na vida e que, naquele instante, prestaram sua solidariedade em forma de abraços com imensa ternura e compaixão, mesmo que eles também tinham conhecimento da minha existência; abraçaram-me como quem acolhe um recém-nascido carente, precisando de colo e de todos cuidados especiais. Sinceramente, era assim que eu me sentia, era assim que eu percebia que minha mãe e irmãs também se sentiam..., sentiam-se fora de si, sem chão, inundadas em imenso vazio e solidão; tentando abrir os olhos em meio a clarões da realidade atual, triste e inconformada realidade. Foi confortador o tanto de carinho e atenção que recebemos de pessoas que nem esperávamos, que nem esperávamos conhecer; amizades fortalecidas; amores crescidos sem controle e, isso, foi extremamente fundamental em nossos dias. A compaixão é a grande beleza da humanidade, o “doar-se” nos trouxe de volta ao lugar que não queríamos mas precisaríamos de estar daquele instante em diante.
No meio de tudo isso, de solitário e solidário, encontra-se a passagem que muito venho recordando; exatamente, ocorreu no final daquela longa e lacrimosa missa quando as pessoas faziam fila para dar as condolências à família em luto. Como disse antes, estávamos amparadas por queridos nossos, mesmo assim não impediu que quiséssemos pertencer a outro lugar que não aquele. Um gosto áspero e mórbido estarmos todos reunidos por motivo tão fúnebre e desolador. A dor da perda, embora passem os dias..., os anos, não têm lamento que finde, não tem recordação que não esteja acompanhada por recorrentes e incontáveis pares de lágrimas. A dor pode estancar, endurecer, no entanto, jamais esgotar; a dor estará sempre ali, quente e aconchegada nos dois átrios e dois ventrículos do coração humano.
Voltando à atenção para aquele final de missa, lembro-me claramente de que na fila, em meios aos muitos rostos conhecidos teve um que particularmente me chamou a atenção. Mantinha-se serena, com as mãos entrelaçadas perto do peito e, nelas, uma rosa branca. Uma única rosa branca. Aberta, branquinha, branquinha... Fechei meu olhos e pude sentir o seu perfume de longe e ali fiquei, num breve fechar de olhos como se a eternidade também me acompanhasse. O rosto docemente gentil e conhecido ofertou a rosa para a minha mãe, acompanhado de um longo e silencioso abraço em sinal de profunda e respeitosa solidariedade.
Ali, naquele instante, pairou gostosa brisa e, pela primeira vez, pude ouvir os sinos da igreja badalarem uma comovente e dolorosa e rasgada canção em nome do nosso último adeus a ele. Ali, em meio aos bancos da igreja movimentada, desapeguei-me de toda inconformidade e da raiva que sentia de Deus por tê-lo levado, como se a compaixão de Maria – personificada no rosto dócil e na rosa branca –, em mim, houvesse tocado. 

 aos sons de Montenegro.